Porque é que ideias divergentes podem tornar a sua estratégia mais forte

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Traduzido e adapatado de Martin Reeves, Mihnea Moldoveanu, e Adam Job.

Num artigo recente da Harvard Business Review, analisamos, como é que, num mundo de tanta incerteza e rápida mudança, as empresas adotam estratégias baseadas nas opções radicais, segundo as quais desenvolvem, continuamente, novas opções que podem ser a base do sucesso futuro, dependendo do estado imprevisível do mundo em que se encontram. As empresas esforçam-se por pôr em prática as opções radicais porque criar opções é caro: envolve exploração cara e arriscada, aumenta a complexidade e pode levar a redundância excessiva. A invasão das limitações de recursos, em particular, o aumento de custo de capital, apenas torna o desafio ainda mais complexo.  

Além de romper com alguns dilemas mais tradicionais em estratégia, tal como descrito no artigo, isto vai exigir uma nova abordagem na forma de pensar, comunicar e liderar estratégias. É determinante aceitar que a estratégia não é um roteiro único e imutável, mas sim um portfolio de possibilidades que requer um manual totalmente novo. Para ter sucesso neste novo mundo de opções radicais, os gestores e líderes devem adotar: 

Incompatibilidade e desalinhamento de ideias 

As empresas e os indivíduos trabalham em iniciativas e tarefas múltiplas simultaneamente. Partimos do princípio de que, embora, estas tarefas possam ser muito diferentes, estão em consonância com uma estratégia e visão do futuro.  

Porém, as organizações que desenvolvem opções para possíveis estados futuros do mundo, podem precisar de procurar, simultaneamente, opções não complementares ou mesmo incompatíveis. Por exemplo, a NVIDIA vende as suas placas gráficas a consumidores, mas também tem um serviço de assinatura com base numa nuvem que pode ser utilizado para aceder à potência gráfica, remotamente, e transmitir jogos ou outros softwares para dispositivos (que não são NVIDIA). Nestas situações, resolver um problema, como por exemplo, reduzir a latência de transmissão, poderia melhorar a atratividade da oferta da NVIDIA em nuvem, mas reduziria potencialmente, o negócio de hardware tradicional. (perdendo as vendas diretas) 

Aumentar as opções, requer reconhecer os potenciais benefícios dessas opções incompatíveis. Isso inclui maior resiliência, devido a fontes futuras de rendimento, bem como a capacidade de criar uma base num futuro plausível que depende fortemente da computação centralizada. Para além disso, a jogada da NVIDIA permite-lhe beneficiar de um conjunto mais amplo de inovações futuras, já que as ofertas na nuvem serão melhoradas, não apenas devido a avanços no hardware, mas também através de melhorias do software de transmissão, entre outras melhorias.  

Os vencedores do futuro necessitam de abraçar, seletivamente, a incompatibilidade do mesmo modo que aceitam crenças divergentes em relação ao futuro. Devem explorar diferentes âmbitos da árvore das possibilidades, e mudar a atenção e recursos entre elas, à medida que o futuro se revela.  

A multiplicidade de crenças sobre o futuro também traz implicações no alinhamento entre as partes interessadas no seio de uma organização. A ideia de “de todos a bordo” é interessante: estamos todos sentados no mesmo barco e a remar na mesma direção, o que nos permite chegar ao final mais rápida e eficazmente. Mas, num mundo de incertezas radicais, nem sempre é fácil perceber qual o destino, ou se de facto, o barco é a nossa melhor opção para chegar ao destino.  

Porém, alcançar o alinhamento não pode ser a máxima governativa. Perante um futuro incerto, as empresas devem potenciar uma diversidade de perceções (da realidade) e perspetivas (sobre o futuro), como colidem com a empresa, se vão permitir o surgimento de novas ideias através da combinação da inovação, melhorando a viabilidade futura da empresa.  

Multiplicidade e inconsistência de narrativas 

Muitas vezes, comunicamos estratégias utilizando histórias como simplificações envolventes e úteis de uma realidade complexa. No entanto, se as opções implementadas para o futuro forem diferentes e potencialmente incompatíveis, não é possível contar com uma narrativa estratégica única e imutável. Em vez disso, as organizações precisam de partilhar e favorecer histórias múltiplas e mutáveis de modo a facilitar a procura de diferentes opções e a mudança entre elas.  

Por exemplo, em torno da sua estratégia de IA, altamente elogiada nos últimos meses, a Microsoft fez algumas declarações, onde destacou o papel do seu software como formador, assistente ou mecanismo de automação. Algumas dessas histórias destacam o ser humano, outras, por sua vez, não o fazem. Emboras, essas histórias não possam ser todas verdadeiras ao mesmo tempo, no mesmo contexto e para o mesmo público, a capacidade da Microsoft de, continuamente, evoluir as suas narrativas e ofertas num cenário em rápido desenvolvimento, permite que ela permaneça relevante.  

Num mundo com tanto níveis, as organizações precisam de abandonar o objetivo de alcançar a consistência e a estabilidade das narrativas, que tem sido tida como marca da integridade, e em vez disso abraçar a variedade e a mudança.  

Lou Gerstner é um bom exemplo de comunicação inconsistente implementada com sucesso. Ao integrar a IBM, como CEO em abril de 1993, ele anunciou aos investidores e à imprensa que “a última coisa que a IBM precisa agora é de visão” e que em vez disso, ele se iria concentrar na simplificação e execução. Mas de facto, ele acabou por conduzir os trabalhos com uma nova visão, permitindo que as empresas aproveitassem a internet para os seus negócios. Ele partilhou tudo, e em menos de um ano de mandato, lançou uma campanha publicitária de quinhentos milhões, o que permitiu que a IBM se tornasse um dos primeiros líderes na área.  

Pensar falando 

Por muito que as narrativas sejam instrumentos de comunicação, também são ferramentas valiosas para formular e testar estratégias: explicar as coisas, mesmo que seja para si, ajuda a estruturar o pensamento e identificar algumas falhas na sua lógica. O poeta e dramaturgo Heinrich von Kleist, identificou num texto de 1805, que tal como o apetite vem com o ato de comer, a ideia surge com o falar.  

Quando se procura uma opção radical, a comunicação de ideias estratégicas aos outros, também, abre um caminho para as melhorar. Em vez de surgir depois do pensamento, falar pode de facto, ser um modo de pensar. Podemos testar e desenvolver estratégias dizendo-as em voz alta, registando as respostas e colaborando com o público para fazer a triagem e dar forma às ideias. Deste modo, contar histórias múltiplas e potencialmente inconsistentes pode ser benéfico, pois cria reações valiosas que podem ser observadas e aproveitadas. Podemos ampliar a famosa citação de E. M. Foster de “Como é que eu sei o que penso até ver o que digo?” para “Como é que eu sei o que penso até ver como os outros reagem ao que eu digo?” 

Pensar falando pode ser colocado em prática dentro das empresas, para testar e compreender diferentes crenças. Por exemplo, os gestores podem organizar sessões, nas quais se colocam na pele dos rebeldes da indústria – start-ups que são contra os modelos de negócios de operadores históricos e discutem como é que as suas ideias podem ter sucesso. Este e outros jogos de imaginação desenvolvidos para facilitar as sessões, são uma forma eficaz de testar ideias e atualizar a sua mentalidade.    

Para além disso, pensar falando também pode ser feito de uma forma voltada para o exterior, tentando avaliar as reações do público através de “um balão de ensaio”, como acontece quando um político divulga planos à imprensa, as empresas apresentam protótipos de produtos ou simplesmente anunciam o desenvolvimento de uma oferta numa plataforma de financiamento coletivo. Um exemplo recente e muito falado, é a discussão pública do CEO do Twitter, Elon Musk, com os utilizadores sobre os preços de subscrição do Twitter Blue.  

A transição para uma nova cultura

“A primeira responsabilidade de um líder é definir a realidade”, escreveu Max De Pree, um guru da liderança e antigo diretor executivo da Herman Miller. Os líderes das empresas, enquanto “principais criadores de significado” definem o tom e estabelecem o contexto, do que é pensado ou dito nas suas organizações. Também devem liderar as mudanças de mentalidade e as práticas de comunicação que irão desbloquear a opção radical. Para tal, é necessário que eles:  

  • Sirvam de exemplo: Eles têm de estar confortáveis com o ato de contar múltiplas histórias e contradizer-se a si próprios quando as narrativas surgem e são relevantes. Isto não é uma exortação para fabricar ou distorcer factos e verdades, é sim, o reconhecimento de que os factos podem suportar muitas narrativas que não são obrigatoriamente compatíveis umas com as outras, que as circunstâncias se alteram e que o nosso conhecimento evolui. 
  • Definir novas regras: para aproveitar a capacidade de falar através do pensamento, os colaboradores devem ter a certeza de que “testar pensamentos”, ainda não totalmente formados e examinados pelos colegas não implica um risco para a carreira. Claro que é necessário estabelecer limites para o pensamento em voz alta em fóruns públicos, onde as repercussões são maiores quando uma ideia não for bem recebida ou concretizada.  
  • Criar um ambiente seguro: para potenciar e dominar a colisão de diferentes perspetivas, os líderes devem assegurar espaços para a brincadeira e assegurar que os colaboradores se sentem seguros ao experimentar novas ideias, processos e práticas.  

O sucesso num mundo de opções radicais exige uma cultura que abraça a experimentação a novos e muitas vezes conflituosos modelos operacionais de negócios. Para alcançar tudo isto, a empresas precisam de reconhecer que a estratégia é mais um portfolio do que um mapa. Os líderes precisam de mergulhar em múltiplas narrativas, enquanto criam estratégias e mensagens em tempo real. O desafio para os líderes é transformar a organização num espaço seguro para os colaboradores pensarem e comunicarem deste modo.  

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