Nós somos mestres a contar histórias. Contamos a nós próprios histórias que nos motivam a fazer muito trabalho em pouco tempo. Nós anotamos todas as tarefas possíveis, a pensar que as conseguimos completar durante um dia de trabalho. E mesmo assim, ao final do dia ficamos surpreendidos com a quantidade de trabalho que ficou por fazer e que temos de terminar tão rápido quanto possível. Não nos estamos a dececionar, deliberadamente, com aquilo que fazemos com o nosso tempo. Mas apesar da experiência do passado, no momento em que acionamos os motores, convencemo-nos de que seremos capazes de fazer algo extraordinário de forma muito normal.
Bem-vindos ao mundo do pensamento mágico. Já todos viajamos até lá, a tentar alcançar a quimera do tempo livre. Tentamos convencer-nos de que não há mal nenhum em ser demasiado ambicioso, e que isso nos vai permitir ir mais além. Principalmente, durante o tempo de teletrabalho, convencemo-nos que precisamos de mostrar aos outros o valor do nosso trabalho quando trabalhamos muito. No entanto, quando nos damos ao luxo do pensamento mágico, podemos desiludir aqueles que dependem de nós, falhar com prazos, sentir-se vazio e perder a inspiração. Libertar-nos da fantasia por vezes é complicado. Os nossos chefes adoram quando nós aparecemos em tom heroico e nos agradecem de algo que concluímos. Mas eventualmente, mais cedo do que imaginamos, todos os heróis se desvanecem.
Vejamos o caso da Francesca, uma investigadora de topo de uma empresa de biotecnologia. A Francesca é uma líder proeminente e profícua em publicações na sua área. É também uma colaboradora de valor para os colegas e orienta uma dúzia de mulheres em início de carreira, tudo isto enquanto cumpre um programa de conferências incansável, apoia um sobrinho com deficiência. A Francesca tem orgulho no seu trabalho, percebe que não tem tempo para algumas das suas responsabilidades de gestão, para fazer exercício ou planear a sua própria família. Ela gostaria de ter um horário mais normal. Quando começamos a trabalhar juntos, ela percebeu que tinha déficit de tempo: demasiados compromissos, sobrecarregada e com poucos recursos. Não só estava a sua saúde a sofrer, as suas relações, mas os seus colaboradores também estavam desiludidos e aborrecidos, a braços com demasiado trabalho.
Os padrões de super comprometimento da Francesca revelavam cinco elementos do pensamento mágico sobre o tempo dela; ratoeiras em que muitos dos meus clientes caem. Nós desenvolvemos antídotos para isso.
A minha carga de trabalho é temporária.
A Francesca estava tentada a dizer que sim a uma posição aliciante, presidir a uma conferência internacional apesar das centenas de horas de trabalho que isso significava. Ela alegava que esta carga de trabalho era temporária, que tinham quase prontos três projetos e ponha de lado os sem número de novas solicitações. Ela era incapaz de parar as suas funções na empresa para se dedicar à conferência. Se se revê na Francesca, e se se deixa levar pela fantasia, analise objetivamente os seus projetos principais do último ano. Quantos foram planeados e quantos foram oportunistas? Isto vai dar-lhe uma imagem mais realista de como o seu calendário futuro estará organizado e ajuda a dar prioridade ao que é mesmo importante e negociar o restante seja a dizer não, seja baixando expectativas ou a pedir ajuda.
Da próxima vez será mais fácil.
A experiência é um sábio professor, mas com o nosso ritmo de mudança, os desafios adicionais surgem com cada novo negócio. A Francesca acreditava que cada novo projeto iria ser mais rápido do que o anterior, mas no final, deitava-se cada vez mais tarde. Talvez tenha aprendido que apesar do conhecimento e do planeamento, certos tipos de projetos precisam de 20% mais de tempo do que o estimado. Ela aprendeu a criar um tempo extra e a acrescentar mais tempo a esse tempo extra. Por exemplo, se ela achava que escrever um resumo lhe levaria dois dias, ela adicionava mais meio dia à sua estimativa. Assim, em vez de prometer entregar na terça-feira, ela estimava entregar na quarta-feira ao final da tarde e comprometia-se a entregar na quinta-feira ao final do dia. A evidência baseada neste amortecedor mostra que somos capazes de estimar com mais realismo, as datas para entregas de trabalhos e a lidar com o inesperado, reduz o stress e permite-nos ter tempo para outras experiências na nossa vida.
Vou ter recompensas imediatas.
O nosso desejo de agradar os outros é um grande obstáculo para uma visão realista do tempo. A afirmação do chefe ou a validação dos colegas são prémios extrínsecos por ser aquela pessoa com quem todos podem contar. A dopamina deixa-nos a levar as mãos ao céu quando surgem novas tarefas. Em vez disso, pense como é que os colegas se vão sentir se entregar um trabalho abaixo da média, forçar atrasos nas equipas, ou pelo contrário lutar para cumprir um prazo, ter qualidade num trabalho feito à pressa. Pense naquilo que pode fazer, pensando em agradar os outros, no final dos projetos, em vez de pensar nisso antes de eles serem lançados. A soma das partes do seu trabalho vai acrescentar à sua gestão e as suas relações vão ficar intactas.
Os outros vão seguir as minhas instruções.
As pessoas dentro da empresa (e por vezes fora da empresa) procuravam a opinião inteligente da Francesca antes de tomarem decisões, escrever cartas, ou embarcar em novas iniciativas. Muitas destas pessoas repetiam os erros. Para ajudar, a Francesca redigiu uma série de boas práticas para que os colaboradores seguissem antes de lhe enviar os trabalhos. Na realidade, a maioria dos seus colegas ignorava as suas indicações e continuavam a enviar trabalhos com nível abaixo do expectável para a sua caixa de correio, na esperança que ela lhes desse feedback ou até que reescrevesse o documento, o que muitas vezes acontecia. Ela teve de os reeducar. Em vez de passar horas a rever um documento, ela simplesmente devolvia e pedia que seguissem as orientações 5 e 7, por exemplo, antes de devolverem o trabalho. Quando investimos em fornecer documentação aos outros para os ajudar a ser mais eficazes, não lhes retire a oportunidade de desenvolver autonomia entrando em detalhes.
Sem mim este trabalho não vai ter qualidade.
A Francesca raramente cometia erros e o seu trabalho era muito apreciado. Ela sabia que a qualidade era posta em causa quando ela não dedicava muito do seu tempo a um projeto, convencendo-se de que apenas ela sabia fazer as coisas bem feitas. Em vez disso, a Francesca aprendeu a dedicar algum tempo para ensinar os seus colegas em vez de fazer tudo sozinha. Foram necessárias algumas repetições até que estivessem prontos para melhorar nas próximas vezes. Somos cúmplices em manter o mito de que somos indispensáveis ou mais espertos que a maioria. Queremos ser desejados e apreciados. Mas quando perdemos o controlo e não temos as respostas certas, dotamos a maioria de capacidades em vez de manter a minoria dependente. Quando dependemos do pensamento mágico para derrotar a tirania do relógio, diminuímos a nossa capacidade de fazer as coisas sozinhos. Ao enfrentar as suas fantasias realisticamente, aumentamos a nossa capacidade de progredir sem que seja feito um esforço supranatural.
Texto adaptado do artigo da autoria de Sabina Nawaz, na edição da revista da HBR da edição de março de 2021, e disponível em https://bityli.com/YQBEX
