
Um conto famoso, mas possivelmente duvidoso, sobre Albert Einstein diz que ele inventou a Teoria da Relatividade ao andar de bicicleta. Consta-se também que Warren Buffett lê cerca de seis horas por dia e tem poucas reuniões agendadas. Ambos os exemplos contrastam na forma como a maioria dos líderes usa o seu tempo. Muitos são escravos do email (um CEO define, ironicamente, o seu trabalho como “responder a 2.000 emails por dia”) sendo o tempo restante preenchido com reuniões. Mas focar no processamento de informação, na reação e na execução – embora pareça produtivo – piora a qualidade dos pensamentos. Acreditamos que alguns dos líderes corporativos do Mundo atual precisam, urgentemente, de reciclar a arte da reflexão.
No pensamento reflexivo, uma pessoa examina suposições subjacentes, crenças fundamentais e conhecimento, ao mesmo tempo que estabelece conexões entre informações, aparentemente distintas. A ciência do cérebro, popularizada no livro de Daniel Kahneman, mostrou que esse tipo de “pensamento lento” está negativamente correlacionado com o “pensamento rápido”, que pode ser empregue enquanto se conduz ou se resolve uma simples soma. Por outras palavras, o pensamento reflexivo (lento e deliberado) e o pensamento reativo (rápido e instintivo) existem, efetivamente, nas extremidades opostas de um interruptor. Quando um está “ligado”, o outro está “desligado”.
Os executivos seniores são vítimas da sobrecarga de informação e excesso de confiança no “pensamento rápido”. Mas alguns CEO’s conseguiram resistir a estas tendências. Bill Gates e Mark Zuckerberg, entre outros, compartilharam da disciplina de Warren Buffett: ler intensivamente, salvaguardar tempo para projetos de desenvolvimento pessoal e procurar constantemente novos estímulos e perspetivas. John Young, presidente do grupo de Pfizer Essential Health, observou que o pensamento reflexivo melhora a tomada de decisão, fundamentando-a com uma visão do Mundo mais integrada e coerente do que aquela que se pode ter, agindo apenas no momento. A partir desses exemplos e do aconselhamento com diversos CEO’s, são sugeridos alguns princípios básicos para que os líderes redescubram e desbloqueiem a arte do pensamento reflexivo:
Programar o tempo para pensamentos não estruturados. O tempo é uma condição prévia para o pensamento lento. Para desenvolver uma rotina, o tempo de reflexão deve ser um evento agendado regularmente e protegido no calendário do líder. Um estudo da Harvard Business School, de 2015, mostrou que os horários dos CEOs, geralmente, deixam apenas 15% de tempo para trabalhar sozinhos. É justo supor que uma grande proporção destes 15% é consumida a rever informações e a lidar com questões táticas urgentes, deixando apenas uma pequena fração para o pensamento reflexivo. Uma pesquisa de 267 executivos de nível C, das 500 maiores empresas da Fortune, sugere que se dedique até 30 minutos por dia para o “desenvolvimento pessoal”, geralmente no fim do dia.
Não há forma de esticar o tempo para os pensamentos não estruturados. Alguns distribuem-no ao longo da semana: Jeff Weiner, CEO do Linkedin, dedica entre 90 minutos a duas horas, todos os dias, para reflexão e descreve esses buffers como “a ferramenta de produtividade mais importante”. Susan Hakkareinen, presidente e co-CEO da Lutron, disse: “Uso as caminhadas de 40 minutos para refletir e leio artigos ao pequeno-almoço para estimular o desenvolvimento pessoal”. Yana Kakar, sócia-gerente da Dalberg, reserva três blocos de duas horas, todas as semanas, para reflexões. Comenta: “Pensar é a única coisa que não se pode delegar, como líder. Mantenho esse tempo sagrado na minha agenda, apesar do dilúvio de chamadas, reuniões e emails.”
Outros concentram a reflexão num único dia. Brian Scudamore, empreendedor em série da O2E Brands, reserva a segunda-feira para pensar e organizar o resto da semana, que é preenchida com consecutivas reuniões. Cria também um ambiente adequado para o pensamento profundo. Por isso, não entra no escritório à segunda-feira. Phil Libin, ex-CEO da Evernote, usa o tempo em aviões para se desconectar do trabalho diário.
Obter um treinador. O método socrático continua a ser a forma mais eficiente para estimular a reflexão. Para inspirar e refinar o pensamento reflexivo, os líderes geralmente beneficiam do diálogo estruturado com um parceiro de confiança. Se o relacionamento for forte, esse parceiro pode colocar questões, observações e desafios ao CEO.
O papel do parceiro de discussão é facilitar a exploração das ideias, tornar a reflexão mais produtiva e construir hábitos e capacidades reflexivas. Nos diálogos de Plato, o papel principal de Sócrates é fazer perguntas orientadoras e conduzir os estudantes ao pensamento estruturado. Este método pode ser ainda mais relevante hoje do que era na altura.
Cultivar uma lista de perguntas que induzem ao pensamento reflexivo. As ideias raramente aparecem do nada. Mesmo as formas de pensamento mais intuitivas exigem estímulo e inspiração. No contexto do pensamento empresarial, uma lista de questões divergentes pode ser uma ferramenta muito útil. As perguntas podem ser adaptadas para perceber o modo de pensar de cada CEO mas, normalmente, incluem aspetos referentes à visão pessoal, estratégia, organização e liderança pessoal, tais como:
– Qual é o propósito da empresa?
– O que faria de diferente se pudesse recriar a empresa a partir de uma “folha em branco”?
– O que faria agora se não houvesse restrições legais às minhas ações?
– O que não conheço sobre a empresa e sobre o setor?
– Qual o valor exclusivo que posso adicionar ao meu trabalho como CEO?
– Que impressão como líder quero criar nos colaboradores e stakeholders?
Proteja-se a si e à sua organização da sobrecarga de informações. Peter Drucker recomendou “seguir ações eficazes com reflexões silenciosas”. Os CEOs devem garantir que as oportunidades de reflexão silenciosa não são eliminadas pela sobrecarga de informação. As soluções simples estão disponíveis. Pense em criar normas para o uso do email: chats e mensagens em substituição dos emails internos, acesso limitado às grandes listas de endereços, agendamento automático dos emails durante o horário de trabalho, fácil desconexão de mensagens não urgentes, etc. Thierry Breton, CEO da empresa de serviços de IT Atos, lançou o programa “Zero Emails”, em 2011, depois da sua própria experiência de luta com os emails. No final de 2013, os emails foram reduzidos em 60%. Nunca foram completamente erradicados, mas a iniciativa ainda é tida em conta como pioneira, especialmente porque a Atos conseguiu reduzir os custos administrativos de 13 para 10%, no mesmo período.
No entanto, a sobrecarga de informação continua a ser uma questão cultural, um vício coletivo. A comunicação é muitas vezes moldada por normas culturais implícitas, que pesam nos colaboradores. Por exemplo, qual é o tempo médio de resposta a um email? Criar normas explícitas é essencial para assegurar que os limites são definidos de forma equitativa e não ao critério de cada manager. Em França, uma lei bastante comentada em 2017, criou o “direito de desconectar” para os colaboradores. Na prática, as grandes empresas terão de negociar o tempo offline com os seus funcionários, obrigando-os a ter uma estratégia de comunicação eletrónica, fora do horário de trabalho. É muito cedo para julgar o resultado, mas, se desligar apenas aos fins de semana levar à inundação de emails na segunda-feira, a lei não irá resolver o problema. Para as empresas reflexivas, o principal desafio é garantir que a comunicação excessiva não prejudica a produtividade, nem evita o pensamento. Para ser eficaz, as normas de comunicação precisam de ser decididas, clarificadas, abraçadas e implementadas em toda a empresa. Sugere-se adotar uma variante de um adágio comum: “Comunicar, comunicar, pensar calmamente”.
Reimagine-se como um solucionador de problemas. Como escreveu o filósofo Bertrand Russel, “há muito trabalho a ser feito no Mundo”. O seu trabalho, como CEO, é garantir que todo o trabalho realizado na sua organização é útil e produtivo.
Um solucionador de problemas pensa na resolução de problemas. Questiona o processo através das ideias e problemas resolvidos e assegura que as questões certas são abordadas da melhor maneira.
Uma das questões mais críticas para um CEO hoje é garantir a relevância das estratégias em ambientes de negócios complexos e em mudança constante. O CEO reflexivo não só questiona a própria estratégia, mas também a adequação da abordagem para desenvolver e executar a estratégia, em cada situação. Dependendo da previsibilidade, maleabilidade e rigidez do ambiente, diferentes abordagens para o pensamento estratégico são desenvolvidas. O pensamento reflexivo é um poderoso antídoto para a aplicação mecânica de abordagens familiares para novas situações.
Em vez de questionar os detalhes da execução, os líderes precisam de garantir que as suas equipas têm abordagens e ferramentas adequadas para resolver problemas complexos. Se um problema lhe for direcionado, pergunte sempre às equipas por que não o conseguiu resolver e o que pode fazer para expandir os seus pensamentos.
Ser um modelo a seguir. Como parte da transparência radical que promove, o CEO da Zappos, Tony Hsieh, partilha a sua agenda publicamente, modelando assim o tempo que usa para si e para os outros.
A maneira mais direta de difundir hábitos de reflexão é exigir que as pessoas os adotem. Na AOL, Tim Armstrong simplesmente instruiu os executivos a gastar um décimo de cada semana de trabalho no pensamento reflexivo.
Há também formas mais implícitas de encorajar a reflexão. Na Microsoft, quando foi nomeado CEO, Satya Nadella era conhecido por “ouvir, aprender e analisar”. O comportamento que mostrou foi essencial para promover a cultura de exploração, necessária para transformar a empresa.
O uso eficaz do tempo de um CEO contribui, poderosamente, para a definição de uma cultura corporativa. O pensamento reflexivo não deve ser um privilégio do CEO que preside a organização. À medida que a automação e a inteligência artificial reduzem a parcela do tempo empregado no pensamento rápido e na atuação, promovendo uma cultura de reflexão, será ainda mais crítico a criação de uma vantagem sustentável.
Ao reviver a arte da reflexão, os líderes podem recuperar o seu tempo, implementar os seus poderes inteiramente cognitivos para os desafios cada vez mais complexos que enfrentam e, ao inspirar o mesmo comportamento nos outros, libertam os colaboradores dos efeitos corrosivos da sobrecarga de informação e da reatividade incessante.
Texto adaptado do artigo da autoria de Martin Reeves, Roselinde Torres e Fabien Hassan, publicado a 25 de setembro de 2017 em: https://goo.gl/ZVFeGM.