Há algumas semanas, enquanto participava como coach numareunião virtual com a equipa de liderança de um dos meus clientes, percebi queum dos seus colaboradores, estava estranhamente quieto e distraído. Das poucasvezes que falou, foi curto e sucinto. O seu comportamento parecia inconsistentecom o envolvimento enérgico que eu já tinha observado anteriormente.
Após a reunião, marquei uma hora para falar com o Evan. Depoisde oferecer as respostas desdenhosas habituais às minhas perguntas sobre comoestava (“Estou bem, só um pouco cansado” e “Não, a sério, estou distraído hoje;muitos e-mails”), partilhei as minhas preocupações sobre coisas que já tinhapercebido que estavam diferentes no seu comportamento durante o último mês – baixaenergia, irritabilidade, pessimismo incomum – e finalmente o Evan admitiunervosamente: “Acho que estou exausto”.
O Evan descreveu muitos dos sintomas clássicos doesgotamento da pandemia: sentir-se oprimido, ansioso, ressentido com o aumentoda carga de trabalho, exausto e sem esperança. Quando perguntei se já tinhacontado à sua chefia o que se estava a passar, reagiu com grande incredulidade.“Estás louco? Não lhe posso dizer isso!”. Começou por explicar o medo deser visto como necessitado, ou pior, de perder o estatuto de “prestável” ereceava que a sua chefia não confiasse nele.
O Evan não está sozinho. A pandemia sujeitou muitos denós a temporadas prolongadas de grande stress. Um estudo recente concluiu que41% dos trabalhadores estão exaustos devido a fatores como trabalharremotamente, trabalhar mais horas, fazer malabarismos com a vida familiar,segurança no emprego ameaçada e medo de ambientes de trabalho inseguros. Istodesencadeia sentimentos crónicos de tristeza e ansiedade, falta de motivação eincapacidade de concentração. O mais revelador é que 37% dos entrevistadosrelataram não ter feito nada para lidar com estes sentimentos. Para pessoas dealto desempenho como o Evan, que normalmente prosperam sob pressão e apreciam aoportunidade de heroicamente fazer nascer a grande ideia ou reunir as tropas, oesgotamento pode ser especialmente debilitante.
Se está com sintomas de esgotamento, é importante que osleve a sério – não pense que são temporários e que irão passar com o tempo. Osespecialistas em saúde concordam que o esgotamento realmente coloca em riscosua saúde física e mental e, se não for tratado, pode levar a consequênciasmais significativas. A boa notícia é que existem muitas estratégias comprovadaspara lidar com o mesmo.
A primeira coisa a fazer é parar de negar que é umproblema. O seu superior está numa posição única para ajudar e, por maisdesconfortável que possa parecer, dada a influência desproporcional que a suachefia tem sobre a vida profissional, é fundamental que esta saiba o que sepassa. Abaixo encontra algumas dicas para se preparar para a conversa com a suachefia:
Confronte-se com a sua narrativa falhada. Admitirque precisa de ajuda é uma luta para muitos profissionais. Para pessoasespecialmente realizadas, acostumadas a ser solicitadas para dar ajuda, estardo outro lado da equação cria sentimentos de inadequação, medo de ser vistocomo fraco ou incapaz e preocupações em ser um fardo para os outros. Essesmedos são amplificados quando se trata do risco de ser a chefia a pensar nessascoisas.
Se educou asua chefia para esperar milagres hercúleos, então confie que construiucredibilidade suficiente para pedir ajuda. É mais provável que a sua chefiarespeite o reconhecimento das suas limitações em vez de pensar menos sobre si.No caso de Evan, a sua chefia ficou aliviada quando Evan se abriu. A chefiatinha notado os mesmos sintomas, mas temia que Evan não estivesse aberto à suaajuda. Provavelmente, a chefia já tinha percebido que alguma coisa estavaerrada.
Explique o que está a viver. Certifique-sede que sua abordagem prepara o terreno para uma conversa produtiva. Pode serútil começar por reconhecer que isso é difícil: “Eu não falaria nisto se nãoachasse que era importante” ou “Não estou habituado a pedir ajuda, então isto édifícil para mim” pode ajudar a sua chefia a sentir mais empatia e, portanto,estar mais atento ao que diz.
Sejaespecífico sobre os sintomas que está a viver. Não precisa de dar detalhesexcessivamente pessoais, mas generalizações como "Estou muitoesgotado” ou “Estou farto deste trabalho” podem não ajudar aavaliar a situação. Em vez disso, ofereça detalhes como “Estou-me a sentirsobrecarregado com o volume de projetos a meu cargo” ou “estou muito ansiosopara cumprir os prazos, mas estes nunca me incomodaram antes.” Ajudar asua chefia a ver o que mudou é importante. Quer que a sua chefia perceba quenão foi só uma parte que mudou, mas que algumas coisas sobre o seu trabalhotambém mudaram.
Assuma a responsabilidade do seu estado nos outros. Coisas comoa qualidade ou pontualidade do seu trabalho, relacionamentos pessoais ou daequipa ou comportamento decadente provavelmente foram mensageiros visíveis do seuesgotamento. Pense em reconhecer isso na conversa com a sua chefia com umadeclaração como: “Eu sei que não tenho sido eu mesmo recentemente e sintomuito se isso teve algum impacto negativo em si ou na equipa.” Seja muitoclaro sobre o que está a assumir. Não se desculpe por estar exausto, mas assumaa responsabilidade por permitir que os seus efeitos afetem o seu trabalho ou daequipa. A chefia de Evan gostou genuinamente do seu reconhecimento dos prazosque ele havia perdido, o que tornou o apelo mais simpático.
Comece por um colega ou amigo. Um dossubprodutos perigosos da pandemia é o crescente isolamento que sentimos dosoutros. O isolamento social intensifica o esgotamento, porque, na ausência decomunidade suficiente, a maioria das conversas que estamos a ter sobre o queestamos a sentir estão nas nossas cabeças. Infelizmente, essas conversasinternas tendem a produzir conclusões não confiáveis sobre nós mesmos, sobre anossa chefia, sobre o nosso trabalho e o mundo à nossa volta.
Se se abrircom a sua chefia parece ser muito arriscado, comece com outra pessoa.Estabeleça um conjunto permanente de conexões virtuais com amigos, colegaspróximos ou até mesmo com um coach ou terapeuta. Ter algumas caixas deressonância confiáveis com as quais pode calibrar os seus sentimentos – etalvez até mesmo ensaiar esta conversa – pode mudar significativamente a perspetiva.
Peça, não se queixe. Preparar-separa a conversa garante que a mesma não pareça um desabafo. Para uma chefia quenão é naturalmente empática, “Estou esgotado” pode soarinvoluntariamente como “Tu esgotas-me”.
Para evitarqualquer indício de culpa, converse quando não estiver cansado ou esgotado.Embora essas emoções possam ajudar a motivá-lo a finalmente falar com a suachefia, não o vão ajudar enquanto estiver realmente a conversar. Por exemplo,se a sua chefia está a pedir mais trabalho do que o normal, já pode se sentirculpado ou na defensiva, e as suas emoções intensificadas só irão inflamaresses sentimentos.
Deixe claroque está a pedir ajuda e quer fazer parte da solução. Para muitos, a pandemiaturvou as fronteiras naturais entre trabalho, vida social e familiar eautocuidado, tornando impossível cuidar bem de qualquer um deles. Isto significaque temos que delinear onde o trabalho começa e acaba. Se precisa de uma folga,horários de trabalho mais flexíveis ou recursos adicionais para atender àsexigências crescentes, seja específico e cortês na sua solicitação. Serexcessivamente insistente pode soar como um direito e um sinal: “Estouesgotado e a culpa é tua.”
Tire tempo para si. Um dosaspetos perigosos do burnout é a maneira insidiosa com que se distorcem as perspetivas.Precisamos de um tempo longe para separar a realidade da ficção enquanto refletimos.Para alguns, a pandemia causou esgotamento, enquanto para outros, revelou oesgotamento que já existia. Talvez se tenha apaixonado pelo trabalho mesesantes ou mesmo há alguns anos, mas foram necessárias estas condições extremaspara realmente sentir isso.
Se pudertirar uma folga, um pouco de distância do trabalho pode ajudá-lo a decidir seos sentimentos são circunstanciais ou se é hora de considerar o próximocapítulo da sua carreira.
Não se acomode. Oalívio que pode sentir ao falar com a sua chefia pode proporcionar um aumentomomentâneo de energia. Durante o tempo livre, pode começar a dormir melhor efazer mais exercícios, e pode até sentir o retorno de uma perspetiva maisesperançosa. Esses primeiros sinais podem tentá-lo a declarar vitória prematurae começar a confundir os limites saudáveis que definiu, respondendo a algunse-mails desnecessários ou “verificando” projetos que a sua chefiatransferiu temporariamente para outros.
Mas lembre-sede que o autocuidado é um jogo longo e é necessário manter. Veja essesprimeiros sinais positivos como evidência de que o plano funciona, não comoevidência de que já está terminado.
Infelizmente,nem todas as chefias vão navegar nesta conversa tão graciosamente como seria dedesejar – é possível que estejam tão sobrecarregadas quanto nós – mas a maioriadas chefias quer ser útil. Em vez de continuar a ferver em condiçõesprejudiciais à saúde, para o seu bem-estar mental e físico, considere dar umaoportunidade a si e ajudar-se a si mesmo.
Textoadaptado do artigo da autoria de Ron Carucci, publicado no dia 05 de janeiro de2021 em https://hbr.org/2021/01/how-to-tell-your-boss-youre-burned-out.