“A política do nosso escritório é que as pessoas devem estar no escritório uma vez por semana. Agora, as reuniões têm 15 pessoas. Parece-me que algumas pessoas estão confortáveis com isso, mas eu não estou. Tenho uma família jovem em casa e temos tido muito cuidado. Por isso não posso ser a favor disto.” Uma partilha de um gestor de uma empresa alimentar (para um colega em trabalho remoto) “Sentimos a tua falta aqui no escritório. Temos visto mais pessoas no escritório ultimamente, e é mesmo bom ter mais pessoal por cá.” Comentários feitos numa sala de chat virtual.
Com a pandemia, o cenário do trabalho sofreu alterações, tem sido dada maior atenção aos aspetos mais visíveis do trabalho remoto, incluindo os desafios de gerir as pessoas à distância (o que inclui uma diminuição da confiança e uma nova dinâmica de poder). Mas há um facto pouco visível que pode influenciar dramaticamente os locais de trabalho híbridos. Tal como sugerem as citações acima, resolver situações laborais futuras e responder às ansiedades inevitáveis dos trabalhadores, vai exigir aos líderes repensar e aprofundar um dos maiores preditores da eficácia da equipa: a segurança psicológica.
De que forma é que as novas formas de trabalho afetam a segurança psicológica
A segurança psicológica, definida como a crença de que se pode falar sem prejuízo de ser punido ou humilhado, está definida como um condutor fundamental para a tomada de decisões, dinâmicas de grupo saudáveis, relações interpessoais, mais inovação e um maior cumprimento das tarefas nas organizações. De um modo muito simples, o trabalho da Amy mostra que é difícil estabelecer e manter a segurança psicológica mesmo nos contextos mais fáceis, factuais e críticos, como por exemplo, assegurar que o pessoal do bloco operatório se manifeste para evitar que seja feita a operação no lado errado, ou que o discurso do CEO seja corrigido antes de partilhar informações imprecisas durante uma reunião (estes dois são exemplos reais de falhanço da segurança psicológica, reportados em entrevistas). Infelizmente, o trabalho remoto não permite que a segurança psicológica seja algo objetivo.
No que toca à segurança psicológica, os líderes, tradicionalmente, focaram-se em fornecer sinceridade e discórdia em respeito ao trabalho. O problema é que, uma vez que a fronteira entre trabalho e vida familiar está cada vez mais ténue, os gestores têm de alocar o pessoal, fazer horários, coordenar decisões tendo em conta a situação atual pessoal do trabalhador; um domínio bem diferente.
Para um colaborador, a decisão de trabalhar a partir de casa pode surgir da necessidade de acompanhar um pai viúvo ou apoiar um filho no ensino à distância. Para outro, pode estar relacionado com situações de saúde desconhecidas (algo que o Covid-19 veio trazer ao de cima), ou um interesse fora do trabalho, como é o caso de um jovem profissional que era um atleta olímpico. Já todos ouvimos falar de trabalhadores que se sentiram marginalizados, penalizados ou excluídos deste diálogo em torno do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, porque são solteiros ou porque não têm filhos. São muitas as vezes que ouvem, que têm muita sorte pois não têm de lidar com estas situações. Manter discussões sobre segurança psicológica em torno do equilíbrio do trabalho vs vida pessoal é desafiante, uma vez que estes assuntos tocam em pontos chave da identidade, valores e escolhas dos trabalhadores. Tudo isto torna a questão mais pessoal e arriscada do ponto de vista da legalidade e ética no que diz respeito ao preconceito.
Não conseguimos fazer o que temos vindo a fazer
No passado, mantínhamos discussões sobre o trabalho e os dias sem trabalho em separado, o que permitia aos gestores manter o tema dos dias sem trabalho fora da discussão. Porém, no último ano, os líderes verificaram que temas como cuidado dos filhos, níveis de conforto, de saúde, ou os desafios dos cônjuges ou outros elementos da família entram na tomada de decisões conjuntas (do trabalhador e empregador), sobre o modo como estruturar e organizar o trabalho híbrido.
Apesar de ser tentador pensar que assim que retomamos o trabalho no escritório, conseguimos separar os dois, a mudança para uma maior quantidade de trabalho remoto significa que esta não é uma solução viável a longo prazo. As organizações que não atualizarem, daqui para a frente, a sua abordagem, vão ter de lidar com os desafios de programar e coordenar informações extremamente complicadas, muitas vezes incorretas. Tenha bem presente que o trabalho híbrido representa um aumento no paralelismo da complexidade de gestão, os gestores estão perante o mesmo volume de trabalho, do passado, agora com o acréscimo de ter de coordenar pessoas que não estão presentes quando era esperado que estivessem.
Estratégias para os gestores
Começamos pelo motivo, mais forte do que nunca, que levou os gestores a evitar os detalhes pessoais. A partilha de informação pessoal acarreta riscos, riscos legais, aumenta o risco de preconceito e o desejo de respeitar a privacidade do empregado. A solução não passa pela exigência de maior revelação de dados pessoais. Em vez disso, os gestores devem tentar criar um ambiente que potencie aos empregados a partilha de aspetos da sua vida pessoal, relevantes para o horário de trabalho ou localização e/ou confiar nos trabalhadores a escolha certa para si e para as suas famílias, em harmonia com as necessidades da sua equipa.
É da responsabilidade da gestão alargar o domínio no qual as questões da vida pessoal podem ser levantadas. A segurança psicológica é necessária, nos dias de hoje, para permitir conversas produtivas num novo e desafiante terreno.
Claro que, dizer simplesmente “confia em mim” não vai funcionar. Em vez disso, sugerimos uma série de cinco passos para criar uma cultura de segurança psicológica que permita expandir o conteúdo do trabalho e incluir aspetos da vida dos trabalhadores.
1º Passo: Defina o cenário. Pode até parecer banal, mas o primeiro passo é debater com a sua equipa e reconhecer os desafios de todos. O objetivo desta discussão é partilhar o domínio do problema. Sugerimos a adaptação desta metodologia como forma de resolução de problemas e desenvolvimento de métodos de trabalho eficazes. Defina o que está em jogo. Os funcionários devem compreender que cumprir com as suas funções (para os clientes, para a empresa, e para as suas carreiras) tem a mesma importância de sempre, mas que não pode ser feito da mesma forma. Assim, é pedido ao trabalhador que desempenhe um papel mais criativo e responsável. Como grupo, a sua equipa, deve reconhecer a necessidade de transparência sobre as necessidades do trabalho e da equipa e deve prevalecer uma responsabilidade conjunta para o sucesso, apesar dos obstáculos que podem surgir.
2º Passo: Assuma a liderança. Palavras todos as dizem e no que diz respeito a segurança psicológica, há muitas histórias de líderes que exigem sinceridade aos seus colaboradores, principalmente no que toca a erros ou outros temas mais embaraçosos, sem que eles próprios demonstrem isso ou sem que protejam os outros quando isso acontece.
A melhor forma de mostrar que é honesto, é mostrar a sua própria vulnerabilidade ao partilhar os seus desafios e dificuldades do trabalho remoto ou trabalho híbrido. Lembre-se, os líderes têm de ser os primeiros a dar o exemplo. Seja humilde e suscetível quanto a não ter um plano objetivo e esteja disponível na forma como pensa gerir os seus próprios desafios. Se não está disposto a ser franco com os seus colaboradores, como é que pode querer que eles sejam honestos consigo?
3º Passo: Dê pequenos passos. Não espere que os seus colaboradores partilhem, de imediato, os seus desafios mais pessoais. É necessário algum tempo até se atingir a confiança, e mesmo que tenha uma boa cultura de segurança psicológica definida, lembre-se que tudo o que está a acontecer é novo, e falar sobre uma nova situação não é o mesmo que falar sobre saúde mental no local de trabalho.
Comece por fazer pequenas revelações e depois permita que os outros também façam as suas próprias revelações que permitam construir uma relação de confiança onde a partilha não é penalizada.
4º Passo: Partilhe exemplos positivos. Não assuma que os seus colaboradores têm acesso a toda a informação que dispõe, apoie os benefícios de partilhar os desafios e as necessidades. Vista a camisola do marketing e publicite a segurança psicológica partilhando as suas convicções de que o aumento da transparência está a acontecer e a ajudar a equipa a desenhar uma nova forma de estar que ajudam nos objetivos individuais e organizacionais. O objetivo não é partilhar informação que lhe foi confidenciada, mas explicar que a divulgação de informação tem ajudado a uma situação conjunta que permite alcançar soluções que se mostram melhores não só para a equipa como também para os colaboradores. Tudo isto deve ser feito com tato e habilidade de modo a evitar a pressão para obedecer, o objetivo aqui é dar aos colaboradores a evidência que eles precisam para aceitar a nova situação.
5º passo: Seja vigilante. A maioria das pessoas reconhece que a segurança psicológica demora tempo a construir, mas apenas momentos para ser destruída. O problema é as pessoas se retraírem, não partilharem mesmo os seus pensamentos mais importantes no trabalho, caso não tenham a certeza de que serão bem recebidos. Quando arriscam falar, mas depois sentem que são destronados, da próxima vez não vão ter vontade de partilhar.
Como líder, tem de estar vigilante e recuar quando os seus colaboradores fazem comentários do tipo “Queremos saber mais de ti” ou “Podíamos usá-lo”, o que pode fazer com que os colaboradores pensem que os está a desiludir. Isto é difícil de fazer e requer alguma habilidade. A ideia não é transformar-se num polícia durão ou punir aqueles que falham no trabalho a partir de casa ou que precisam de ajuda, mas sim ajudar os colaboradores a adaptar estas observações de um modo mais positivo e compreensivo, por exemplo, “Sentimos falta da tua perspetiva ponderada e percebemos que também estejas a enfrentar algumas dificuldades. Diz-nos se houver alguma forma de ajudar…”. Esteja aberto quanto às suas intenções de inclusão e disponível para que os colaboradores não sintam que os seus pedidos vão ser censurados. Ao mesmo tempo, esteja disponível para censurar aqueles que inadequadamente se apoderaram de informação pessoal partilhada.
É importante que os líderes vejam e discutam estes temas como um trabalho que está a andar. Em qualquer dinâmica de grupo há processos emergentes que se desenvolvem e se alteram com o tempo. Este é o primeiro passo, a viagem começa e não há nenhum mapa e por isso é necessário navegar iterativamente. Pode ultrapassar as situações, pode necessitar de corrigir, mas é melhor errar quando se está a tentar e a experimentar do que assumir que a situação ultrapassou os limites. Interprete isto como um modo de aprender a resolver problemas, assumindo que nunca vai alcançar a estabilidade. Quanto mais mantiver esta perspetiva, em vez de declarar vitória e seguir em frente, maior será o sucesso da sua equipa em manter e desenvolver a verdadeira e alargada segurança psicológica.
Texto adaptado do artigo da autoria Amy C. Edmondson e Mark Mortensen, na edição da revista da HBR da edição de abril de 2021, e disponível em https://bit.ly/3AOwjrl.