Artigo traduzido e adaptado de “How to vet information before making a decision“
Os desafios dos gestores de negócios nunca foram tão grandes. Diante da taxa de inflação, das tensões comerciais e da incerteza política, as decisões nunca foram tão difíceis como agora. Os assuntos de capital humano agora incluem diversidade, equidade e inclusão, saúde mental e requalificação para a quarta revolução industrial. As preocupações ambientais, sociais e governamentais não podem ser delegadas ao departamento corporativo de responsabilidade social; são responsabilidade da gestão. A inteligência artificial traz uma série de novas oportunidades, mas também acarreta inúmeras ameaças.
No entanto, parece que os gestores têm uma ferramenta para combater estes desafios: a informação. Basta um clique no rato ou pressionar com o polegar para ter acesso a toda a informação sobre qualquer tipo de assunto. Os estudos académicos estão cada vez mais acessíveis, e agora existe uma variedade de pesquisas disponíveis, realizadas por empresas de consultoria, ONGs e investidores. A informação não tem origem apenas em estudos; também está em livros, artigos de jornais e podcasts.
Com tanta informação disponível, como sabemos em quem confiar? Como demonstrado pelas últimas controvérsias, mesmo estudos que são publicados em jornais de renome podem ter por base informação académica tendenciosa. Os preconceitos de confirmação podem significar que aquilo que as pessoas partilham, e o que vemos nos nossos feeds, pode ser o que queremos que seja verdade, em vez daquilo que realmente é. Há uma série de livros que ensinam a lidar com informação errada, caracterizada como conclusões não baseadas em evidências, mas que nos fornecem uma lista de todas as formas de enganar as pessoas. Pode até ser difícil lembrar cada uma e pôr o conhecimento em prática. O que os gestores necessitam é de uma taxonomia simples de desinformação para que saibam o que realmente procurar.
Como cientista social, o meu trabalho é recolher dados e dar sentido aos mesmos. Esta competência é bastante útil quando estamos a fazer pesquisas e quando estamos a avaliar a pesquisa que fazemos. No meu novo livro, apresento as ferramentas de pesquisa em ciências sociais para desenvolver o que designo como “a escada da desinformação”, que categoriza a desinformação em quatro passos. Esta abordagem pode ser útil para chefias de todos os tipos, inclusive aquelas que precisam gerir a sobrecarga de informação.
O primeiro erro é que uma afirmação não é um facto, porque pode não ser exata. Quantas vezes aceitamos uma afirmação apenas pelo que ela diz? Por exemplo, os meus estudos destacam os benefícios da gestão corporativa e o valor dos investidores capitalistas. Por isso, quando me deparei com um relatório de uma ONG bastante conhecida que afirmava que as empresas ESG superam os seus pares, fiquei ansioso por comprovar essa variável. O estudo incluía notas de rodapé que sugeriam evidências para isso, e eu estava tentado a pensar que isso era suficiente, devendo, portanto, seguir em frente.
No entanto, o primeiro passo para pensar com mais clareza é verificar os factos. Neste caso, segui as notas de rodapé, apenas para descobrir que a fonte original dizia exatamente o oposto do que o relatório afirmava. A nota de rodapé remetia a um artigo intitulado “Where ESG fails”, com o subtítulo “Apesar de inúmeros estudos, nunca surgiu evidência no sentido de mostrar que os ecrãs de responsabilidade social são investimentos seguros.” A nota de rodapé no final da frase não significa que a frase é verdadeira, a frase não é um facto.
Outras incorreções surgem a partir de medições incorretas. Um artigo afirmava que as empresas que investiam em ESG colhiam prémios muito bons. Mas ao aprofundar o estudo, percebe-se que o autor nunca, verdadeiramente, mediu o nível de ESG de uma empresa, apenas perguntou à empresa se achava que os ESG tinham ganho importância, o que muda tudo. Mesmo que uma frase esteja associada a uma grande quantidade de informação, os dados podem não medir aquilo que a frase afirma.
O segundo problema é que um facto não é um dado pois pode não ser representativo. Os estudos de caso são métodos populares e poderosos de ensino. São vívidos, trazem tópicos para a discussão e inspiram líderes muito mais do que qualquer estatística ou regressão. Isto vai além da educação em escolas de negócios, abrangendo best-sellers e apresentações virais, que normalmente começam com uma história que prende a audiência. No entanto, os gurus frequentemente escolhem o exemplo que melhor ilustra o seu ponto, tornando a história memorável. Uma simples anedota, ou até mesmo um conjunto de anedotas, nos dizem pouco, pois podem ser escolhidas a dedo. São exceções que não comprovam a regra.
Muitas fórmulas de gestão são vendidas utilizando histórias de empresas famosas que seguiram estas fórmulas e se tornaram bem-sucedidas. Contudo, podem existir inúmeras outras empresas que utilizaram a mesma fórmula e princípios e falharam, mas que nunca são mencionadas porque não se encaixam na narrativa de sucesso. Para demonstrar que a fórmula é eficaz, é necessário incluir centenas de empresas que a usaram, tanto as que ficaram ricas quanto as que fecharam as portas, e comparar as taxas de sucesso para controlar o grupo que não teve êxito.
Adoramos aprender com histórias de sucesso, mas não é possível identificar o que levou ao sucesso sem estudar o fracasso. Os dados devem incluir as empresas que utilizaram a fórmula maravilhosa e falharam, bem como aquelas que, sem a receita secreta, tiveram sucesso. Se apresentarmos apenas aquelas que seguiram a fórmula e alcançaram o topo, teremos uma amostra restrita.
O terceiro aviso é que os dados não são evidências, pois podem não ser conclusivos. Os dados em grande escala podem ser representativos, mas isso é apenas o primeiro passo, pois os dados são apenas um conjunto de factos. As evidências são um conjunto de factos que permitem chegar a uma conclusão. Para isso, é necessário que sejam suportadas por uma teoria e, ao mesmo tempo, rejeitem teorias opostas, assim como as evidências num julgamento fazem sentido se apontarem para um suspeito em particular.
Esta é outra área onde a formação em ciências sociais ajuda. Envolve extrair uma relação causa-efeito dos dados e determinar se essa relação pode levar ao sucesso do estudo.
Um dos estudos com que me deparei afirmava que havia evidências de que a gestão corporativa melhorava o desempenho da empresa. Este estudo baseava-se em dados de empresas com boa gestão, que eram superiores a outras empresas com gestão mais fraca. Uma vez que grande parte da minha pesquisa é sobre os méritos de uma boa gestão, adorei estas descobertas. Mas será que estes estudos mostravam verdadeiramente que a gestão influenciava o desempenho?
Infelizmente, os dados apenas mostravam uma correlação entre gestão e desempenho. Os dados eram consistentes com a teoria de que uma boa gestão leva a um desempenho superior. Porém, os dados também eram compatíveis com teorias opostas. A primeira é a inversão da causalidade. Talvez as empresas com um desempenho mais baixo tenham de se focar em combater os seus problemas; só quando uma empresa tem uma visão otimista é que consegue orientar a sua atenção para assuntos a longo prazo, como a gestão. A segunda são causas comuns. Ter o melhor CEO pode até melhorar a gestão corporativa, e o CEO pode melhorar o desempenho, em vez de a boa gestão causar diretamente o melhor desempenho. Todos sabemos que a correlação não implica causalidade, mas de repente esquecemo-nos disto quando gostamos dos resultados que nos são apresentados.
Se alguma vez foi a uma conferência de economia, vai ser presenteado com longos debates sobre tópicos como este. Mas não é preciso ser um académico para pensar claramente sobre as causas e os efeitos. Pergunte sempre se há outras teorias consistentes com os dados que tem, em vez de simplesmente aceitar a explicação que quer que seja verdadeira.
A última ressalva é que as evidências não são provas, pois podem não ser universais. Uma prova é absoluta. Quando Arquimedes mostrou que a área de um círculo é pi vezes o quadrado do seu raio, ele provou esta teoria não só para os círculos da Grécia Antiga no século II depois de Cristo, mas para os círculos dos dias de hoje. Mas mesmo que as evidências permitam chegar a um resultado perfeito, pode só funcionar no ambiente em que foram criadas, e não para a generalidade.
Num dos meus estudos, descobri que as empresas com níveis elevados de satisfação no pessoal eram superiores às empresas concorrentes entre 2,3% a 3,8% por ano, no retorno de ações a longo prazo – 89% a 184% cumulativos – mesmo após controlar outros fatores que impulsionam o retorno. As análises posteriores sugerem que é a satisfação dos funcionários que causa o bom desempenho, em vez do bom desempenho permitir às empresas investir na satisfação dos funcionários.
Mas este estudo estava confinado aos EUA. Um livro poderoso de Joseph Henrich mostra que a maioria dos estudos se centram em assuntos WEIRD (Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic) – aqueles que são ocidentais, educados, industrializados, ricos e democráticos – e os resultados podem não ser extensivos ao resto do mundo. Não assumi que as minhas descobertas poderiam ser aplicadas noutros locais. Com outros autores, alarguei o meu estudo original a 30 países. Descobri que as minhas primeiras conclusões serviam para outros contextos, mas nem sempre. Nos países onde a lei laboral é muito rígida, as empresas com níveis elevados de satisfação dos funcionários não superavam as concorrentes. O que faz sentido: a lei significa que os concorrentes já oferecem um alto nível de bem-estar aos trabalhadores, então aquelas que estão no topo podem ter passado do ponto de retorno decrescente.
Como aplicar a “escada da desinformação” na prática ao analisar informações? Fazendo nós mesmos as seguintes perguntas simples:
1.Se virmos uma afirmação, está apoiada em dados? Não é suficiente verificar se há notas de rodapé; tem mesmo de verificar o que é que defende. Mesmo que a alegação sustente a afirmação, o que é que os dados medem?
2.Se ouvirmos um facto, como uma história ou uma anedota, é representativa ou escolhida a dedo? O autor considera outras empresas com a receita secreta que falharam e aquelas que não têm receita e que tiveram sucesso?
3.Se nos oferecerem dados em grande escala, quais são as teorias rivais que são consistentes com os dados? Uma forma de perceber quais são as teorias rivais é tentar imaginar que os estudos obtiveram o resultado oposto – um que não gostamos – e pensar como é que o poderíamos destronar.
4.Se tivermos evidências robustas, vão de encontro aos nossos interesses? Um estudo que concluiu que capacitar os funcionários funciona para a área da tecnologia, mas não funciona para os mineiros, onde a saúde e a segurança são primordiais e as regras mais valiosas.
Estes antídotos mostram que compreender os dados não exige conhecimentos em estatística, mas sim bom senso, pensamento crítico e uma boa dose de ceticismo. Ainda assim, pode questionar-se todas as vezes que vir uma afirmação, tiver de procurar a referência, e, todas as vezes que encontrar evidências, tiver de considerar o contexto. Pode aplicar estas perguntas seletivamente, seguindo o princípio 80/20. Se o resultado for particularmente relevante para o seu negócio e estiver especialmente propenso a aceitá-lo devido ao viés de confirmação, vale a pena ser extremamente cuidadoso. Assim como ao desenvolver qualquer nova habilidade, quanto mais praticar, mais exímio se torna.
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