Dirk ficousurpreendido com o que aconteceu. Tanto quanto sabia, ele só tinha pedido a Jerome (um recém-contratado executivosénior), para lidar mais ativamente com alguns dos clientes da empresa. Mas Jerome, ficou de repente zangado,defensivo, e abandonou o escritório bruscamente.
Jerome, por sua vez, também se sentia confuso.Porque é que ele reagiu assim? Normalmente, ele revelava um forte controlo dassuas emoções. De alguma forma, os comentários do Dirk magoaram-no e ele reagiusem pensar.
Conseguimos perceber alguma coisa do queaconteceu entre o Jerome e o Dirk se percebermos que o cérebro humano estáprogramado para o reconhecimento daquilo que é o padrão. Posto de formasimples, o nosso cérebro atua como uma máquina de correspondência de um padrãoe como uma máquina que gera um padrão, e quando algo foge do padrão então tentaencaixar em formas familiares. As nossas experiências anteriores são utilizadascomo atalhos para compreender e interpretar a nova informação. E faz sentido:se conseguirmos encontrar correspondência entre informação nova e antiga, entãoo nosso conhecimento armazenado pode ser aplicado perante a nova situação, comum custo menor do que aquele que teria se tivesse que configurar tudo de novo.
Este processo de faz sentido está em jogo nasrelações que mantemos com as outras pessoas. Baseado no nosso banco de dadosdas relações já existentes, o nosso cérebro inconscientemente, organiza asnovas experiências de tal forma que elas cabem nas relações que já nos sãofamiliares. Por isso, quando estamos a tentar perceber uma pessoa que nãoconhecemos bem, o nosso cérebro assume que esta pessoa se vai comportar deforma semelhante a outra que nos é familiar. Nós gostamos das pessoas que nos lembram osnossos entes queridos, enquanto que o alarme dispara quando conhecemos pessoasque nos lembram outras pessoas que nos fizeram mal de algum modo. Por isso, éque por vezes atribuímos, automaticamente e sem pensar, determinadascaracterísticas a pessoas que não estão lá. E por norma atuamos com as pessoasno presente, tendo em conta as nossas experiências passadas.
Depois de se acalmar, Jerome percebeu que Dicko lembrava o seu pai autoritário. Quando o Dick se debruçou na sua secretáriade madeira e disse ao Jerome para ser mais proativo, isto recordou-o daquiloque o seu pai costumava fazer na mesa da cozinha e lhe perguntava porque é queele não era mais lutador. A sua reação foi mais ou menos a mesma que já haviatido com o seu pai numa das discussões – ficar zangado e sair de modo brusco.
Esta ligação interpessoal errónea, foidescrita pela primeira vez por Sigmund Freud no seu famoso caso da Dora, noqual havia esta transferência de sentimentos. Ao tentar perceber, sem sucesso,a sua intervenção terapêutica com a sua paciente, ele apercebeu-se que a razãodo seu insucesso estava na sua falha em identificar a transferência de emoçõesda Dora, de alguém que pertenceu ao seu passado, para o Freud.
Tendo em conta que as fontes das nossasreações de transferência estão relacionadas com pessoas da nossa infância, comoos nossos pais e outros cuidadores, tais como os irmãos e membros da famíliamais próximos, estas reações tendem a ser direcionadas para aqueles quedesempenham um papel semelhante ao daqueles atrás mencionados. Por isso, é quemédicos, professores, celebridades e figuras da autoridade, em geral, são maissuscetíveis de ativar estas resposta de transferência.
É transferência quando nos apaixonamos àprimeira vista por alguém que nos faz lembrar alguém por quem já tivemos umagrande paixão. É transferência quando confiamos em alguém, muito rapidamente,sem nos apercebermos que esta pessoa nos lembra uma pessoa em quem confiávamosno passado. É transferência quando nos deixamos encantar por um superior quenos lembra alguém que nos dava coragem e apoio, tal como a nossa avó. Também étransferência se não gostamos de alguém no imediato, só porque essa pessoa noslembra alguém que influenciou negativamente o nosso passado.
Se alguma vez já tiveram uma reação emocional comalguém, que era claramente demasiado intensa dada a situação, é muito provávelque experimentassem uma situação de transferência. Uma vez que estas reações detransferência são uma forma de aliviar o passado, a reação por elas despoletadaé por norma desadequada e muitas vezes bizarra, tendo em conta o atualcontexto.
Não é difícil moderar reações de transferência. Noentanto, podem criar problemas, quando as reações se tornam excessivas, equando nos impedem de construir relações com outras pessoas que podem ter umagrande influência nas nossas vidas. Quando as nossas reações de transferênciasão repetitivas e excessivas, então significa que estamos preocupados comalguns problemas do passado ou alguns assuntos não resolvidos do passado.
Enquanto que as reações de transferência nos podemperder, desenvolver a consciência da sua existência pode-nos ajudar a ficarmais conscientes das nossas motivações escondidas e aprender a evitar os mesmoserros e assim um maior controlo das nossas vidas.
Devemos refletir nos comportamentos que nosdeixaram em maus lençóis e onde nós sentimos que o nosso julgamento foi pobre.Para ajudar a analisar o que aconteceu, devemos colocar as seguintes questões anós próprios: Que tipos de pessoas me deixam ansiosa, zangada, triste ou feliz?O que é que eu gosto ou não gosto nestas pessoas? Quem é que estas pessoas mefazem lembrar? De que forma é que são iguais ou diferentes? Descobrir osfantasmas do passado é o primeiro passo para não deixar que interfiram na nossavida presente.
Lidar com estas reações de transferência pode serum desafio. Devemos considerar consultar um terapeuta ou um coach. Com a ajuda deles, os conflitosdo passado podem ser resolvidos e ficar onde pertencem – no passado.
Texto adaptado do artigo da autoria de Manfred F. R. Kets de Vries e Katharina Balazs, publicado a 06 de setembro de 2018 no website da Harvard Business Review (https://hbr.org/2018/09/understanding-why-we-overreact-at-work).