Artigo traduzido e adaptado de “A Workaholic’s Guide to Reclaiming Your Life“
A minha filha Alex, nasceu há três anos, estava eu no meio do meu doutoramento, a lidar com as provas semestrais. Foi num café, onde eu tentava resolver um exercício que tinha ficado para casa, que começaram as minhas contrações. Eu dizia a mim própria que eu ia continuar até que as contrações fossem consistentes, o que demorou algumas horas, até as dores serem insuportáveis. Eu, com alguma relutância parei de trabalhar e fui para casa (e a seguir para o hospital).
As minhas memórias desse dia, e dos dias posteriores ao nascimento da Alex, deveriam ser sobre a experiência do parto, a alegria do nascimento de uma filha, e a constituição de uma família. Porém, eu vivi momentos de extrema ansiedade e pânico, pelo simples facto de não conseguir concluir os meus exames semestrais, ao ponto de me ter obrigado a regressar aos estudos 72 horas depois do nascimento da minha filha. A semana seguinte foi repleta de noites sem dormir e trabalho árduo quando a energia assim me permitia. Acabei por tirar duas semanas, mas depois dessa “pausa”, regressei aos meus estudos e ao meu trabalho como professora.
Pergunto-me a mim mesma, porque é que eu não solicitei uma substituta até ao final do semestre, ou pedi uma extensão do meu plano curricular? Como é que eu consegui investir tanto no trabalho quando tinha uma recém-nascida em casa? A resposta é simples: eu era viciada em trabalho.
Uma pessoa viciada em trabalho não é, simplesmente, uma pessoa que trabalha muitas horas, na realidade a correlação entre o número de horas de trabalho e o excesso de trabalho ou vicio do trabalho é muito reduzida. Em vez disso, a expressão viciada em trabalho, refere-se a uma incapacidade nociva de desligar do trabalho. Quando o trabalho domina os nossos pensamentos e atividades, em detrimento de outros aspetos da nossa vida, como os relacionamentos, a saúde, então estamos perante uma dependência do trabalho. Este diagnóstico não é clínico – não consta do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, mas os estudos sobre isto são profundos e convincentes. Uma pessoa viciada em trabalho é nociva para a pessoa que vive este vicio e para a organização para a qual trabalha. Muitas vezes, as próprias organizações contribuem para uma cultura de excesso de trabalho sem se aperceberem disso. Embora eu tenha tentado reverter este tipo de cultura, os esforços não são suficientes. A mudança está no colaborador e tem de ser pessoal.
Ainda hoje, me sinto culpada por ter dado prioridade ao meu trabalho em detrimento da minha filha, durante os primeiros meses de vida da Alex. Por causa do meu trabalho de investigação, que está na maioria publicada no meu livro, Never Not Working: Why the Always-on Culture is bad for Business – and How to Fix it, é que sei que o meu caso não é único. Muitos dos sujeitos que entrevistei partilharam sentimentos muito semelhantes de culpa e arrependimento por serem workaholics.
Vejamos o Gabe, que é o CEO de uma empresa de tecnologia. O Gabe apercebeu-se que tinha dado demasiado ao trabalho, da forma mais insólita, quando estava a ver o último episódio da série The Notebook. Quando refletia sobre a forte ligação entre o casal, o Gabe lembra-se do arrependimento que sentiu. Pensou na sua própria relação com a mulher e os seus filhos, e percebeu que não estava a viver a vida que queria. Ele gostava mais do seu trabalho do que da sua família. Nessa altura, o Gabe trabalhava entre 60 e 80 horas por semana. Mesmo quando não estava a trabalhar, o Gabe admitia que estava sempre a pensar no trabalho.
Depois temos a Ellen, uma líder educativa. Ela trabalhava das 8 da manhã às 10 da noite todos os dias, e acordava muitas vezes a meio da noite para enviar mais um email. A Ellen também descurou o autocuidado. Quando o médico encontrou um nódulo no peito e foi necessário marcar uma lumpctomia, a Ellen negociou, dizendo que tinha de esperar até às férias, o que significava esperar um mês. Na altura do procedimento, o tumor triplo negativo já se tinha desenvolvido fortemente. Se a Ellen tivesse esperado mais, o cancro seria fatal. Ao olhar para trás, ela percebe que os sucessos profissionais tiveram um custo pessoal muito elevado. Se pensarmos como ela adiou a lumpctomia, a Ellen lamenta “Que tipo de idiota é que eu era? Eu fiquei entre a vida e a morte, tudo por causa do vicio do trabalho.”
O Gabe, a Ellen e eu – e muitos como nós – somos, inacreditavelmente, adeptos do nosso trabalho, parecemos muito confiantes, competentes e produtivos. Mas esta produtividade tem um custo muito elevado na nossa vida pessoal. Noticias de última hora: não vale a pena.
Se se reconhece nas nossas histórias e quer mudar, tenho boas notícias: é possível perder essas tendências de adição ao trabalho e ter sucesso quer na vida pessoal, quer na vida profissional, sem ter de escolher entre as duas. Neste artigo, vou abordar exercícios que podem ajudar a identificar-se como uma pessoa dependente do trabalho e como começar a mitigar essa situação. Eu percebi que estas atividades eram extremamente eficazes, principalmente, para pessoas que sentem que têm um problema, mas não sabem por onde começar. Também descobri que pequenas melhorias, têm tendência a ter um maior e mais duradouro impacto.
Vamo-nos focar em seis estratégias:
- Redifinir “urgente”
- Reiniventar a lista de afazeres
- Aprender a dizer que “não” e a delegar
- Arranjar a máquina de dependência de trabalho
- Controlar a ruminação
- Dedicar-se ao descando e à recuperação
Redifinir “urgente”
As pessoas que trabalham demasiado têm tendência a ver tudo que está relacionado com o trabalho como alta prioridade: o livro Workaholics Anonymous’s Book of Discovery chama a isto “multitarefa frenética”. Muitas pessoas com quem conversei dizem que se sentem quase viciadas em adrenalina quando estão nesse modo; não há melhor forma de criar uma mini-crise perpétua do que atribuir urgência a tudo. O problema é que isso siginifica que colocamos o nosso corpo e a nossa mente num estado de constante “luta ou fuga”, o que aumenta significativamente o nosso nível de stress.
A Lauren, que concordou em oferecer uma entrevista para o meu livro, é uma ex-académica e membro da Workaholics Anónimos, uma organização internacional sem fins lucrativos que realiza reuniões para aqueles que desejam parar de trabalhar compulsivamente. Ela relembrou um episódio durante uma viagem de férias, quando parou num supermercado, num dia bastante quente, para comprar um bolo para uma festa de família. Enquanto o seu marido estava à espera no carro, com os filhos que choravam, ela ficou no estacionamento com o bolo a derreter, enquanto conversava ao telefone. “Estava a ter uma conversa com a nova coordenadora de estudos… para garantir que ela estava a fazer tudo certo. A lembrar todos os pequenos detalhes.”
“Parecia urgente”, diz Lauren. “E parecia que as coisas iam descarrilar em mim se eu não estivesse lá.” Era tão urgente que a Lauren interrompeu as suas férias, estragou o bolo e deixou a sua família num estado miserável – tudo para iniciar uma ligação com uma pessoa que, aliás, não gostava de ser microgerenciada.
No fundo, as questões como as de Lauren resumem-se a definir prioridades. Nem sempre é fácil, mas às vezes a imposição rígida de restrições artificiais é uma boa maneira de começar a redefinir a sua relação com o trabalho e a perceber o que é “urgente” de uma forma diferente. Por isso, recomenda-se fazer uma revisão retroativa das tarefas. Isto pode ajudar a perceber que nem tudo é tão urgente como parece naquele momento.
Observe a lista de afazeres da sua lista, digamos, a lista do mês passado, e pense na importância que essas coisas têm agora. Pergunte a outras pessoas o que elas acham. Pode perceber que aquilo que definia a importância de cada uma das tarefas não era verdadeiro, mas sim o seu reflexo de dependência de trabalho de tratar todos os trabalhos inacabados como algo que precisa de ser terminado com urgência (e com perfeição!). Mas, ao olhar para trás, vai perceber que a tarefa não era assim tão importante e não precisava de ser feita naquele período. Por exemplo, qual era o assunto urgente de Lauren com a coordenadora de estudos? Ao refletir ela observou: “Nem me lembro.”
Faça anotações sobre essas tarefas e tente identifica-las quando surgirem novamente. Quando isso acontecer, questione-se criticamente se é realmente uma prioridade. Se não for, coloque-as mais abaixo na sua lista.
Existem outras maneiras de pensar sobre as urgências. Na sua TED Talk, “Uma médica de emergência ao falar sobre a triagem da sua vida incrivelmente ocupada”, a Dra. Darria Long Gillespie usa um modelo de triagem de sala de urgências para recategorizar os seus afazeres. O vermelho é algo ameaçador à vida. O amarelo é sério, mas não tão urgente quanto o vermelho. O verde é algo menor. Há ainda uma outra categoria: preto, o que significa que nenhuma medida pode salvar o paciente. Aplicar essa perspetiva a uma lista de afazeres, com disciplina e honestidade, força-nos a tomar decisões sobre o que é realmente importante, em vez de tratar tudo como urgente. Por exemplo, quando um colega nos pede ajuda para encontrar um contrato pode ser algo pontual, mas não é tão urgente como o prazo de um projeto que se está a aproximar rapidamente e no qual tem trabalhado dia após dia. Então, o pedido do colega é verde, e o seu prazo é amarelo. No seu estado mais saudável, apenas as questões pessoais, de saúde e familiares devem escalar para vermelho e preto.
Com o tempo verá que, mesmo deixando tarefas de trabalho para segundo plano, o céu não vai cair só porque não a completa no imediato, quer com perfeição, quer de alguma forma.
Reinventar a lista de afazeres
Assim que tenha redifinido o conceito de “urgente”, pode estar na hora de olhar mais de perto a sua relação com essa lista como um todo. Isso porque, para a pessoa viciada no trabalho, uma lista de tarefas torna-se um convite ao excesso de trabalho. Ficamos quase viciados em antecipar e depois em obter, a satisfação de riscar itens da lista. E há um bom motivo para isso: os estudos mostram que definir uma meta pode dar-nos um impulso de dopamina. Sentimos emoções positivas e somos motivados a continuar a trabalhar para alcançar outra meta. No entanto, a dura realidade é que estas listas de afazeres nunca serão totalmente concluídas. Para a pessoa viciada em trabalho, este facto torna-se em algo que reforça o próprio comportamento.
Por exemplo, num estudo, os investigadores descobriram que, quando as pessoas têm uma elevada carga de trabalho, elas querem fazer uma pausa, mas não estão disponíveis para a fazer quando sentem uma forte vontade de acabar a tarefa. Algo que tiramos da lista hoje, significa menos uma tarefa amanhã, em teoria. Agora imagine o mesmo cenário para alguém viciado em trabalho, que vê ter muito trabalho como algo positivo. Para eles, a vontade de garantir mais trabalho, adicionando mais itens à lista, supera qualquer satisfação de completar uma tarefa. Para o workaholic, uma pausa é um sinal de que algo está errado. Uma lista de afazeres que diminui, é uma ameaça que desperta a necessidade de preencher o vazio.
Pode quebrar esse padrão, no entanto, deve reinventar a sua lista de afazeres e o seu propósito. O segredo é transformá-la num documento onde a conclusão de uma tarefa não seja o objetivo principal. Não se deve centrar em riscar tarefas. Em vez disso, pode usar a sua lista de afazeres como um método de mapeamento e definição de prioridades.
Uma forma de fazer isto, é utilizar a Matriz de Eisenhower. Esta matriz também é conhecida por “matriz do urgente versus importante”, esta ferramenta ajuda os indivíduos a identificar quais as tarefas onde eles devem dispender muito (ou pouco) tempo. Comece por observar a sua lista de coisas a fazer, que provavelmente é um conjunto de itens numerados, e coloque todos os itens na matriz.
Para o viciado em trabalho, quase tudo vai acabar no quadrante superior direito. Tudo é urgente e importante! Mas se conseguir mapear as tarefas com um pouco de autorreflexão e honestidade e superar a sensação de que todo o trabalho é extremamente importante, poderá começar a abrir mão de algumas tarefas. Por exemplo, coisas que caem no quadrante inferior direito (alta urgência, baixa importância) são facilitadoras do comportamento do sujeito viciado em trabalho. Estas coisas parecem necessárias, mas não são. Os sujeitos é que estão a superestimar a urgência, talvez por medo de que, ao trata-las com menos urgência, os outros o irão julgar. Ou pode significar que se está à procura de adrenalina ao ter uma tarefa urgente pela frente.
Tente abrir mão das tarefas deste quadrante completamente, ou pelo menos adiá-las. Diga a si mesmo: “Isso não é importante agora. Isso pode esperar.” Também deve ter coragem de eliminar completamente as coisas que não são urgentes e com pouca importância (quadrante superior esquerdo) e aprenda a respeitar, mas não abordar imediatamente os itens de alta importância e baixa urgência (quadrante superior esquerdo). Com o tempo, vai perceber que relevar algumas tarefas não é o fim do mundo, nem da sua carreira.
Algo também importante, é certificar-se que coloca na matriz a lista de afazeres que não estão relacionados com o trabalho. Se realmente deseja redefinir a sua vida e escapar à dependência do trabalho, deve ter pelo menos uma tarefa de alta urgência e alta importância que não esteja relacionada com o trabalho.
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