Empatia, comunicação, adaptabilidade, inteligência emocional e compaixão. São estas as competências que tem de melhorar, ao nível do local de trabalho, para ser um bom líder. Repetidamente, ouvimos que estas competências são as que nos tornam indispensáveis – não só agora, mas também no futuro. As soft skills, são as que nos fazem mais humanos, e tanto quanto sabemos, não são capazes de ser desempenhadas pelas mais recentes tecnologias, como é o exemplo, da inteligência artificial.
Apesar disso, uma competência que é menos falada é a reflexão. De acordo com os estudos, o hábito de refletir pode ser a linha que separa bons de maus profissionais. Atrevemo-nos a dizer, que a reflexão é a base de todas as outras soft skills.
Praticar a reflexão tem tudo a ver com a aprendizagem. Olhar para o dia, sem julgamentos ou preconceitos e contemplar o nosso comportamento e as suas consequências. Tudo isto exige, estar consigo próprio, pensar naquilo que funcionou, naquilo que aconteceu, e o que não aconteceu, o que poderia ter sido feito e o que não poderia ter sido feito. A reflexão exige coragem. É ponderada e deliberada. Para se estar no topo é preciso retirar lições do passado e comprometer-se com o futuro.
Para obter os benefícios totais, deve transformar a reflexão num hábito. Porém, isto não é simples. Questões genéricas como “O que devo agradecer hoje?” O que é que aprendi? O que é que poderia ter feito melhor?”, são muito gerais e não ajudam muito.
Então, sobre o que é que nós devemos refletir? Ao longo da semana acontecem cerca de mil coisas. Como é que define quais são as experiências mais significativas para o seu desenvolvimento? De uma forma muito simples, da panóplia de coisas que acontecem ao longo da vida, quais as que são dignas de reflexão?
O que dizem os estudos
Com o intuito de responder a estas questões, perguntamos a 442 executivos para refletir nas experiências que mais contribuíam para o seu desenvolvimento profissional e quais as que tinham mais impacto em torná-los líderes mais eficazes.
As respostas foram genuínas. Eles deram a conhecer histórias constrangedoras, fiascos totais, gafes impensáveis, erros de juventude e decisões descuidadas. Claro que no meio disto tudo, também havia decisões inteligentes, conquistas de valor e interações valiosas. De um modo geral, as reflexões foram eficazes e sentidas profundamente.
Processamos estas reflexões com a ajuda de um programa de análise NVivo, um software poderoso usado nos campos da sociologia e educação. Com o programa tentamos detetar tópicos sentimentais nas histórias submetidas. Também solicitados a estudantes de doutoramento para codificar as histórias tendo em conta os sentimentos. Finalmente, professores de gestão reviram a veracidade dos códigos.
Da nossa análise saltaram três tópicos distintos: surpresa, frustração e falhanço. As reflexões que incidiram sobre estes sentimentos, provaram ser as mais valiosas na ajuda que proporcionavam aos líderes a aprender e crescer durante as suas carreiras.
Neste contexto, o que significa, afinal, estar surpreendido, frustrado e falhar?
Surpresa
São muitas as coisas que nos surpreendem, mas no nosso estudo, muitos líderes viviam momentos que defraudavam as suas expetativas. Um dos participantes mostrou-se chocado quando um colega explodiu por causa de um assunto menor. Outra surpresa foi quando um pedido razoável foi rejeitado. Outro também se mostrou chocado quando as ações de uma empresa sólida desceram na bolsa.
As suas experiências refletiam esta verdade fundamental: Como humanos tentamos, ingenuamente, criar hipóteses sobre o que vai acontecer a seguir tendo por base o que já aconteceu. A nossa natureza cognitiva, utiliza a lógica e a razão para descrever, explicar e predizer e controlar, de modo a valorizar mais o que de positivo acontece nas nossas vidas.
Quando nos enganamos ficamos surpreendidos, os erros, lapsos nos julgamentos e suposições erradas merecem algum tempo de reflexão.
Fracasso
Isto leva-nos ao próximo sentimento: o fracasso. Enquanto a surpresa é um sentimento que não se vê, a maioria dos participantes associava os erros a um falhanço visível a todos. Um dos líderes partilhou uma situação em que estava demasiado envolvido numa questão política e um dos programas que ele dirigia falhou. Ele lamentou, “eu falhei, e muito. Estava focado numa ideia, mas não nos detalhes. Eu tinha de ganhar isso. Foi doloroso, mas nunca mais voltei a falhar daquela maneira.”
O fracasso, que é muitas vezes comportamental, manifesta-se sob a forma de erro. As boas noticias é que todos nós cometemos erros. Os erros são as evidências de que precisamos para não voltarmos a fazer o mesmo no futuro. Os erros permitem a aprendizagem pela negativa, mais conhecido como aprendizagem pelo erro. Já muito foi escrito sobre o valor do fracasso na aprendizagem, porque é temporário. Claro que não conseguimos aprender se não tivermos tempo para refletir sobre o que se passou.
Frustração
A frustração ocorre quando a nossa análise é criticada, ou quando alguém entra no nosso espaço, ou o voo está atrasado, quando ficamos presos no trânsito, ou quando o nosso amado se atrasou. Os líderes com quem estudamos consideraram a frustração como algo interno que nos impede de lançar o nosso produto, inquietudes orçamentais, e pior, são situações muitas vezes incompreendidas pelos gestores.
Os momentos de frustração dos líderes transformaram-se em grandes oportunidades de reflexão. Isto é, oportunidades de melhoria, mudança, inovação, e a oportunidade de desenvolver outras soft skills como comunicação, resolução de problemas e paciência.
É importante compreender que a base da frustração reside nos nossos objetivos, ou o objeto das nossas ambições e esforços. Os objetivos refletem os nossos valores, e os nossos valores são o nosso guia que nos mantém ligados a um propósito maior na vida e no trabalho. Sentimo-nos frustrados quando os nossos objetivos são frustrados e não conseguimos aquilo que queríamos, mas ultrapassar a frustração e encontrar outros caminhos para lidar com a frustração e seguir em frente tem como resultado o crescimento.
Praticar semanalmente
Surpresa, frustração e fracasso. Cognitivo, emocional e comportamental. Cabeça, coração e mãos. Estas são as partes que estão sempre em movimento e se não lhes der tempo de descanso, de certeza que vão ficar exaustas. Tal como os músculos, a mente precisa de refletir para ganhar energia e ficar forte.
Aqui ficam algumas dicas práticas para criar o hábito de reflexão semanal.
1) Escreva um diário
Quer se sinta surpreendido, frustrado ou um fracasso, faça uma pausa e registe o que sente. Assim que se sinta capaz, anote o que aconteceu, detalhadamente, de modo a fazer um registo preciso do que aconteceu. Registe os sentimentos do seu corpo, uma dor no estomago, dor de cabeça, vontade de chorar, assim como os pensamentos que lhe atravessaram a mente.
Tente identificar o que está por detrás das emoções. O que é que despoletou esses sentimentos? As suas expetativas foram defraudadas? As coisas não correram como estava à espera? Cometeu algum erro?
2) Guarde uma hora semanalmente para rever as suas notas
Não salte esta tarefa. Bloqueie no seu horário este tempo, para que não surjam impedimentos.
Pode-se preparar para esta revisão definindo expetativas realistas: tem de ser rigorosa e honesta. Pode até ser doloroso avaliar e examinar defeitos, mas também tem de saber que pode ser melhor desde que saiba onde é que pode melhorar.
3) Não se limite a reler o seu diário.
Acrescente informação. Faça uma retrospetiva da situação, há alguma coisa, em relação ao que aconteceu, que consegue ver de modo diferente? O que é que correu mal? As observações iniciais estavam corretas ou mostraram que poderia ser de modo diferente, algo que não conseguiu ver no calor do momento? Procure ser um observador neutro.
A questão agora é: Como é que consigo ter a certeza de que isto não volta a acontecer? Quando se fracassa, pode descobrir uma forma de aprender. No caso da surpresa, pode descobrir que deve calibrar as expetativas irrealistas. No caso da frustração, pode ter de perceber que precisa de se adaptar melhor ao inesperado.
Vá com calma. A reflexão bem feita pode ser um reparador do cérebro. Lembre-se que a excelência só se alcança quando tropeçamos e nos levantamos, e sacudimos e depois tropeçamos outra vez. Se analisar as vezes que tropeça, tem uma maior probabilidade de não tropeçar no futuro.
Dicas profissionais: Se está à procura de mais recursos, aqui estão alguns recursos que têm dado provas que podem ajudar e orientar a nossa prática de reflexão.
· Ciclo Refletivo de Gibbs explora seis estádios de uma experiência: descrição, sentimentos, avaliação, análise, conclusões e um plano de ação.
· O quê? E? E agora? São três estádios refletivos que devem fazer parte do exercício de pensar sobre uma experiência, as suas implicações e o significado no futuro.
· Ciclo Integrado de Reflexão inclui quatro passos: a experiência, as ações, teoria relevante e a preparação para o futuro.
· A Lei dos 5’Rs Refletir, Reportar, Resposta, Relatar, Raciocinar, e Reconstruir, também pode ser uma boa ferramenta.
A reflexão é uma função executiva. A reflexão corajosa galvaniza a vontade. Promove a autoconsciência, dá-nos poder, certifica-se que tem valor, e dá-nos autoconhecimento que nos permite alcançar o nosso potencial.
Se, ainda um jovem profissional, pretende ascender, então faça aquilo que fazem as pessoas de sucesso. Reflita sobre aquilo que o surpreende, o que o deixa frustrado, e sobre o fracasso. Isto deve fazer parte da sua vida.
Vai ser recompensado!
Texto adaptado do artigo da autoria de James R. Bailey e Scheherazade Rehman, da edição da revista da HBR da edição de março de 2022, disponível em https://bit.ly/3r1WCIi.