Talvez seja o resultado da performance. Ou um relatório de feedback de 360º. Ou conselhos (não solicitados) de algum colega. Ou o apelido que a equipa deu a algum colaborador. Seja o como for, está errado e é injusto.
Obter um feedback que pareceerrado pode ser devastador, doloroso e enlouquecedor. O que fazer quando issoacontece?
A primeira coisa a fazer é nãofazer nada. Não se deve decidir logo se se concorda ou não. E isso não é fácil. Épreciso tempo para entender melhor o feedback antes de o aceitar ou rejeitar.
Nira, uma diretora criativaaltamente conceituada na indústria de media digital, estava num novo emprego hátrês meses, quando o seu CEO lhe disse: “Preciso que sejas mais criativa”.
Os pensamentos de Nirapercorreram todas as razões pelas quais esse feedback não era fiel à realidade:“Eu sou diretora criativa desta empresa.CRI-A-TI-VA está no meu cargo! Além do mais, isso é precisamente o contrário detodos os comentários que recebi durante toda a minha carreira. E tu não sabesidentificar o que é ‘criativo’. Se há coisa que eu sou é criativa!”
Externamente, Nira sorriu,agradeceu ao chefe, saiu e procurou o telemóvel para ligar ao seu recrutador.
A reação de Nira é natural. Paradecidir se se aceita ou rejeita um feedback, procura-se, automaticamente, o quehá errado com ele: quem o deu, por que o deu, quando, onde, como o deu e se éou não verdade. Existem dois problemas: primeiro, é muito fácil encontrar algode errado com um feedback; e, em segundo lugar, o feedback é rejeitado tãorapidamente que, por vezes, nem há tempo de entender realmente se tem sentido ounão.
Por isso, é necessário aprofundar. A maioria dos comentários chega na forma de um rótulo vago: “Tu precisas de tomariniciativa”, “Mostrar mais liderança”, “Pensar mais estrategicamente” ou “Sêmais criativo”. É fácil tirar conclusões precipitadas. No entanto, essesrótulos são – na maior parte das hipóteses – aproximações do que estão a tentardizer.
O feedback tem sempre umhistórico. Olhando para o passado, o chefe de Nira estava a tentar descrever umconjunto de observações, exemplos, expectativas sobre aquilo que ela faria oudeveria fazer, ou talvez oportunidades que percebeu que ela falhou e queafetaram a sua criatividade. O feedback também tem um futuro: o CEO deve teridealizado algumas abordagens específicas que gostaria que Nira tivesse adotado.Então, antes que Nira pudesse decidir o que estava errado – ou certo – sobre oscomentários, precisava de entender de onde vinha o feedback e qual era oobjetivo do mesmo. Para isso, era preciso fazer perguntas como:
- Quando diz “criativo”, o que quer dizer concretamente?
- Pode ser mais específico sobre o momento ousituação, em particular, em que não fui criativa?
- Pode dar um exemplo do que significa “criativo”?O que quer, especificamente, que eu faça de forma diferente?
Depois de respirar fundo algumasvezes, e de uma conversa com o espelho da casa de banho, Nira voltou para fazeralgumas perguntas ao chefe. Conseguiu perceber que o CEO não se estava areferir ao seu trabalho com os clientes. O que ele quis dizer é que ela deveriarepensar a forma como estava a gerir as reuniões da sua equipa. Após observarNira, concluiu que ela falava muito e não deixava espaço para quealguns dos seus colegas, mais silenciosos mas extremamente talentosos, pudessemcontribuir com ideias também. Surpreendentemente, o CEO teve boas ideias sobre como fazer falar algumas das vozes mais hesitantes da sala. Havia mais valornos seus comentários do que Nira assumira inicialmente.
É fácil criticar o CEO por sertão pouco claro: a diferença daquilo que ele realmente quis dizer com“criativo” até àquilo que qualquer pessoa perceberia, é enorme. Qualquer rótuloque ele usasse devia ter sido aprofundado. Portanto, é preciso assumir que, quemdá feedback, quase sempre precisa de ajuda para articular o que quer, de facto,dizer. E qual a maneira de ajudar? Fazendo perguntas claras e curiosas, pondode parte o tom defensivo.
Verificar os ‘pontos cegos’ e fazer duas perguntas: “O que está errado?” e “O que pode estar correto?”. Àsvezes, o feedback não parece ‘verdadeiro’ porque, simplesmente, não háconsciência disso.
Jake é outro exemplo: recebeucomentários para ter “cuidado com a atitude”. Na sua cabeça, isso era umabsurdo; a sua atitude estava ótima, ele era incansável e devoto à empresa.
Jake foi ter com uma colega, querapidamente o apoiou: “Isso é uma loucura! Ninguém trabalha tantas horas porsemana como tu, estás sempre aqui.” A colega disse aquilo que Jake estava,implicitamente, a pedir – um amigo para o apoiar, validando o que estava erradocom o feedback que recebeu.
Contudo, se o objetivo é mesmoconhecer os pontos cegos, é necessário fazer uma segunda pergunta: Há algo quepossa estar correto neste feedback?
A colega de Jake, depois de umapausa, respondeu: “Tu trabalhas muitas horas, mas todas as vezes que és chamadopara ficar a trabalhar até tarde, suspiras e queixas-te de que não tens vida. Ficascom uma atitude mesmo séria.”
Embora haja sempre algo erradocom o feedback – em 90% dos casos – também haverá sempre alguma coisa correta.Os amigos e colegas estão bem posicionados para ajudarem a ver esses últimos10%. Mas não o farão, a menos que seja, explicitamente, solicitado.
Receber bem um feedback nãosignifica que este tenha de ser aceite. Ser bom a receber comentários significaapenas isso: recebê-los. Que foram ouvidos. Que foi feito um esforço para os entender.Que houve reflexão sobre eles. Que foi procurado aquele bocado (mesmo que pequeno)que pode estar correto. Então aí é possível decidir se se deve ou não agir.
Seja qual for a decisão, éimportante responder ao doador de feedback com a perspetiva pessoal. Casocontrário, ele vai pensar que não foi ouvido. Para o bom relacionamento, éimportante que os dadores saibam que as sugestões foram tidas emconsideração, mesmo que no final se siga uma direção diferente.
Texto adaptado doartigo da autoria de Sheila Heen e Debbie Goldstein, publicado a 14 de abril de2017, em http://bit.ly/2p35QFF.