Porque é que precisamos de proteger o nosso sentido de humor, principalmente agora

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Poderemos estar a regressar ao escritório, mas as mazelas da pandemia ainda estão longe de terminar. À medida que entramos numa fase de transição, depois de um ano de trauma e de dor, mais do que nunca precisamos de meios para carregar as nossas energias, acalmar as nossas ansiedades, e cuidar do nosso bem-estar. Uma intervenção poderosa, raramente falada em ambientes profissionais é o culto de experiências transcendentes. Como a gratidão ou curiosidade, o transcendente pode deixar-nos energéticos ou inspirados. É mais uma ferramenta que atrai cada vez mais atenção devido a estudos cada vez mais rigorosos.

Como médico e psicólogo, fiz vários workshops, antes e durante a pandemia, junto de militares, médicos, educadores, forças policiais e no mundo de negócios, sobre resiliência e bem-estar. Ajudar os participantes a explorar, experimentar e recordar momentos de transcendência é uma das estratégias chave, cientificamente suportadas, que levamos a cabo nos nossos workshops e tem sido compensador verificar que os nossos participantes beneficiam e levam consigo o que aprenderam.

Os benefícios do transcendente

Ethan Kross, um psicólogo da universidade de Michigan define o transcendente “como algo maravilhoso quando encontramos algo poderoso que não conseguimos explicar facilmente.” Muitas das coisas que nos causam uma sensação transcendente têm um elemento de vastidão e complexidade. Imaginem uma noite estrelada, um ato de gratidão, ou a beleza de algo pequeno e complexo. Durante o dia de trabalho, as cores das folhas das árvores no exterior, ou um ato de sacrifício de um colega poderá despoletar um sentimento semelhante, principalmente se estivermos atentos. Principalmente, nos Estados Unidos e na China experiências transcendentes são relacionadas a comportamentos virtuosos dos outros – um ato de dedicação, competência ou coragem.

Cultivar experiências de transcendência é principalmente importante e útil, nos dias de hoje, à medida que renovamos as nossas energias e fazemos planos para um futuro melhor. Isto acontece porque, para além dos arrepios e formigueiro e um baixo batimento cardíaco sob stress, o transcendente também nos afeta emocionalmente. Num grupo experimental, quando lhes foi pedido que desenhassem uma imagem sua, desenharam uma imagem mais pequena depois de um momento de transcendência. Este efeito foi designado de altruísta. Esta mudança traz muitos benefícios: Quando estamos presos a algo maior o nosso sentimento do “eu” diminuí, tal como diminuí a nossa tagarelice e preocupações. Ao mesmo tempo, aumenta o desejo de se relacionar e ajudar os outros. As pessoas que experienciam algo transcendente reportam elevados níveis de satisfação com a vida e bem-estar.

Vejamos com atenção os efeitos sobre o stress e resiliência. Experiências transcendentes estão associadas a baixos níveis de stress e estudos recentes mostram que pode haver uma relação causal: os momentos transcendentes podem mesmo ajudar a reduzir o stress. Investigação recente, ao utilizar Imagem diagnóstica funcional, mostra que as experiências transcendentes, como por exemplo ver vídeos inspiradores (quando comparados a vídeos mais neutros ou agradáveis) diminuí a atividade cerebral no modo pré-definido, que está associado ao autofoco e ruminação. O resultado é a diminuição da tagarelice mental.

No entanto, os momentos transcendentes vão muito além do alívio do stress. Os estudos mostram que experienciar algo superior a nós, poderá transcender os nossos referentes através da expansão dos modelos mentais e estimular novas formas de pensamento. Isto pode potenciar a criatividade e inovação e facilitar o pensamento científico e a tomada de decisão mais ética.

Também nos ajuda na construção de relações. Embora, as situações transcendentes aconteçam muitas vezes em momentos de solidão, leva-nos a sair de nós e em direção aos outros e motiva o comportamento pro-social como a generosidade e compaixão. Alguns cientistas consideram que estes momentos podem ajudar na coesão do grupo e providenciar vantagens de sobrevivência. Para grupos que experimentaram os momentos transcendentes, pode degenerar em colaboração, espírito de equipa e conexão social.

Há muitas formas de cultivar experiências transcendentes ao longo do dia de trabalho.

Para individuais

Uma forma muito simples de experimentar algo transcendente é, durante o dia de trabalho, fazer uma caminhada transcendente. Tire vinte minutes para vaguear e seja curioso e observe a beleza à sua volta, mesmo que seja em espaços familiares como o seu jardim ou do seu vizinho. Nos nossos workshops, esta instrução ajuda as pessoas a reparar nos outros, e em locais e coisas que normalmente não reparam, uma abelha a saltar de flor em flor, por exemplo. Depois destes momentos, os nossos participantes reportam estar mais calmos, inspirados e mais concentrados.

Ainda melhor, experimente algo de transcendente como uma caminhada pela natureza. Os estudos mostram que as caminhadas na natureza, comparadas a ambientes urbanos, têm um efeito mais positivo no humor e no bem-estar. A natureza é uma experiência imersiva de crescimento e resiliência, pode ser uma importante força de transcendência. O ritmo da natureza também nos lembra que fazemos parte do mundo natural e que também somos sólidos. Um CEO de uma empresa de tecnologia de Michigan (David) colaborou em muitos passeios de bicicletas por entre rios e florestas. Ao fazer isto, ele sentia-se parte de algo maior do que ele e funcionava como uma alavanca para a sua energia e resiliência.

Se não consegue sair da sua secretária, então aproveite a magia dos seus dedos e tenha a mesma experiência através do computador. Os estudos mostram que os vídeos podem estimular o deslumbramento. Pode-se até deixar inspirar por documentários vencedores de prémios como o Free Solo, Planet Earth ou o mais recente vencedor do óscar My Octopus Teacher. Deixe que a Amanda Gorman em “The Hill we climb” lhe cause arrepios. A harmonia e complexidade da música também podem elevar e inspirar o deslumbramento. Crie a sua playlist para o deslumbramento, podem ser músicas ou vídeos e quando sentir que precisa de se deslumbrar deixe-se levar pelo que ouve e vê. Também pode convidar momentos de deslumbramento perguntando o seguinte “O que há de bonito aqui?”.

Outra opção é deixar-se emergir em sites de notícias positivas, atos de bondade, generosidade e perseverança. Tenha no seu computador um ficheiro com histórias de bondade, benevolência e decência da raça humana. Explore-as quando estiver stressado, gasto e precise de se elevar. Uma simples história de alguém que faz a diferença pode inspirar quem está à sua volta.

Para gestores e equipas

Se é um gestor, pode potenciar o poder do deslumbramento para ajudar a sua equipa com energia e resiliência e fornecer empatia e apoio emocional. Promova a partilha das playlists de deslumbramento entre a sua equipa, crie oportunidades de partilha de experiências transcendentes no início das reuniões. Inicie as reuniões com questões como “O que é que lhe tirou a respiração esta semana?” ou “O que o deixa feliz por estar neste planeta?” (Dê o seu contributo a histórias de deslumbramento, e partilhe o impacto destas na sua vida). Num dos nossos trabalhos, a Karen junto da The Oklahoma City Thunder, pediu às equipas para trazerem fotos de objetos pessoais que provocam gratidão e deslumbramento. As fotografias foram projetadas durante uma reunião, e cada pessoa falou da sua fotografia e experiência. Ao mesmo tempo o sistema de saúde onde trabalha o David promove webinares sobre o deslumbramento. Indivíduos de diferentes departamentos, que nunca se conheceram, partilham, numa sala do Zoom, experiências de deslumbramento. A energia positiva depois de cada um destes eventos é evidente e edificante.

Os gestores devem estar atentos a potenciais erros, quando criam momentos de deslumbramento para as suas equipas. Em primeiro lugar aquilo que estimula o deslumbramento numa pessoa pode criar medo ou perigo noutra, por exemplo, se obrigar alguém que tem medo das alturas a experimentar uma visão vertiginosa. Tem de conhecer bem a sua equipa para compreender a definir limites. Em segundo lugar, se quer que a sua equipa experimente o deslumbramento, está a adicionar não a subtrair: estas experiências não vão eliminar a dor ou ansiedade, nem mitigar a necessidade de falar abertamente sobre os desafios que enfrentam e do apoio que vão precisar da liderança. É normal experienciar um conjunto de emoções, principalmente em alturas muito desafiantes. É imperativo que os gestores ofereçam compaixão e compreensão. Finalmente, não intimide com o deslumbramento; não estamos a falar em desenvolver um culto em torno do poder de liderança, é muito diferente.

Nós passamos muito do nosso tempo no local de trabalho tentando ser ouvido e batendo o pé. Pode parecer contraprodutivo envolver-se em algo que estimula sentimentos de insignificância. Mas fazê-lo através de uma experiência de deslumbramento pode, no final, trazer-nos o sentimento de pertença que tanto procuramos, para além dos múltiplos benefícios, como a energia, inspiração e resiliência, para nós e para as nossas equipas.

Texto adaptado do artigo da autoria de David P. Fessell e Karen Reivich, na edição da revista da HBR da edição de agosto de 2021, disponível em https://bit.ly/3iy6Lbv.

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